quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

e de novo e de novo e de novo
eu tinha me perdido de novo
me perdido em desesperança
e de novo tinha me perdido 

a tristeza e o pânico de mãos dadas
assumindo que a fome que eu sinto
é a fome que eu mereço
meu estômago se come
porque é de mim que se alimenta
na desesperança de um dia acabar por dentro
gota ácida por gota ácida que corrói e corrói

e de novo e de novo e de novo
eu me perdi de novo nas minhas ruas escuras
e solitárias e solidário me sinto porque eu
me perdi de novo e de novo essa fome
e essa tristeza
e esse pânico de pura desesperança

eu derreto
por dentro eu derreto
de novo
eu derreto

eu repito
sempre volto
porque é sempre o meu lugar
um lugar que é só meu
eu derreto
de novo eu derreto

de novo eu repito
e não sei o que será do amanhã
porque faz tempo que o tempo dá sinais
que não tá certo e que vai dar errado

o que será do amanhã
queria que não houvesse
de novo
eu repito
eu não queria

eu derreto
sem querer

me alimento de mim
e como canibal
me torno mais eu

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Sopa de letrinhas

um púlpito para o meu inconsciente
as palavras rugindo como santos
presas no meu corpo sem sentidos

avalio bem as letras porque não há
o que ser escrito senão letras atrás
de letras e palavras sem sentidos

um palco para a minha memória
atolada de esperança e felicidade
transbordando ceticismo e depressão

escolho bem o que dizer
porque o bem dito é inteligente
e o que vem a toa pulsa solidão

nuvens escuras atropelam meu corpo
e meus dizeres
não encontram
nada

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A faxina fez da sina um símbolo - Ou quando a Lua esquenta um corpo frio

chapado de pregabalina e com os fones 
de ouvindo judiando dos tímpanos
modelando guarda-roupas de portas coloridas
os sentimentos vão se arrumando
dentro do corpo e cada um tem o seu
lugar

as palavras que eu não digo são as
minhas Marie Kondos que guardam
os sentimentos nas devidas gavetas
e essa bagunça de pó e limo e musgo e lodo
vai aos poucos se sumindo
e aqui dentro tudo mais claro
pareço maior

os sentimentos não ficam só no coração
é claro que não ficam no coração
mas os sentimentos também não ficam
só compartimentados no meu cérebro

descem fluidos como fumaça densa pelas pernas
e logo os braços também tem seus sentimentos
e eu que nem sabia que sentia tanto

meu eu robô com seus programas todos organizados
em pastas de sentimentos alegres e contentes
e felizes e cheios de amor e esperança e essas coisas boas
que normalmente o pó e o limo e o musgo e o lodo
não me deixam nem ver

as palavras esfregando a alma até brilhar
e ali no fígado ficou uma tristeza
no rim uma gargalhada bem dada
na boca dormente um beijo bem dado
na barba comprida um tempo passado
nos olhos um tempo futuro
nas pálpebras pesadas a decepção de ser
nos dedos A Palavra

e outras tantas 
coisas em volta da 
minha cabeça como 
uma auréola de mim

finalmente santo
só porque um dia
senti



ela me perguntou qual era minha melhor memória
de nós dois
e eu não soube responder

me senti procurando uma blusa numa torre de roupas
roupas na cama e roupas na escrivaninha e roupas na cadeira
roupas penduradas e roupas dobradas e roupas jogadas
e eu buscando uma blusa

e bendita a palavra que
leva tudo ao seu bendito lugar
o pó e o limo e o musgo e o lodo
viram logo loco lugar
espaço pra me fazer sentir
e lembrar e esticar as costas e os braços
em uma sensação indescritível de
liberdade



pois é quando o gato finalmente a aceitou
o gato entrou debaixo das cobertas sobre ela
e ela que nem criança ficou toda emocionada

não sabia bem o que fazer
não queria se mexer
sorria largo de olhos marejados

passando os dedos bem de leve
sobre a cabeça daquele
gordo lindo que já dormia pesado

na nossa memória de nós dois
não sou nem protagonista
nem coadjuvante
mas só um espectador
que gosta tanto
que essa memória
exista



as memórias sempre tem som
os sentimentos, memória



lembro dela com o gato

como uma música calma

um piano lento
agudo
e triste

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Siga o Coelho Branco

foi assim que o mundo girou rápido demais e eu fiquei pra trás
segurando as mil coisas com as duas mãos e vestindo os sapatos enquanto anda
volta porque esqueceu as chaves e o casaco cai no chão
o mundo segue o mundo vai e vou pulando que nem lebre machucada
mancando de pés alternados até que caibam direito os tênis

levanto a mão como chamando o ônibus
e eu penso que não vale a pena correr
que nem tenho força e energia pra isso
mas eu sei que o mundo só vai
e não tem uma próxima linha que vai passar

o mundo sempre correndo de mim
e eu já arrumado de me vestir caminhando rápido
me interesso por leviandades que aparecem no caminho
ou minhas pernas e pulmões cansados me pedem um só fôlego de paz
ou eu brevemente desisto. foda-se o mundo. eu fico aqui. faço do vácuo o meu lugar,
imperador de esmolas. ou de nada.

o elefante branco sou eu
pesado e lento
preguiçoso e orgulhoso
nunca chego no mundo
e o mundo acena me chamando
como se lá
houvesse tanta gente
me esperando

continuo

sozinho
eu continuo

e nunca
mas nunca
chego em lugar nenhum

é tudo nada
e nada é mundo
que acena pra mim
no horizonte do vazio

quarta-feira, 21 de junho de 2023

A catástrofe dos castelos de cartas

o céu como um bicho hostil me olhava lá de cima
enquanto eu brincava com a fumaça dentro de mim
e soltava todo o fim do mundo que aqui fica preso
e céu e fim de mundo se encontraram com o som da cidade

o sol dava voltas no mundo e a lua me avisava que outro dia acabou
o tempo passando e minhas rugas se reproduzindo
e de preocupação não me preocupam demais
me preocupam são os cheiros de outros medos

falta tempo pra primavera e minhas flores congeladas
se olham no espelho e se perguntam quem são
porque não se parecem com nada do que foi lhes prometido
meu inverno floresce como tambor retumbante

bate forte o coração que nunca mas nunca deixa de bater forte
como batedeira bateria e betoneira
borboleta bicho brabo bate forte no meu
peito

e as palavras saíram voando
como moscas brancas que atormentam
o meu pé de batata doce

quinta-feira, 30 de março de 2023

Se tivesse pra onde fugir, já estaria longe

por umas horas que se pareceram minutos
ou alguns minutos que pareceram meses
eu me perdi de novo e me afundei
ou quebrei ou vazei ou coisa assim

e ao invés de eu me puxar pra cima
só consegui ver comos variados

como um trem que pega o meu carro
como um ônibus que me pega de raspão
como areia vazando dos meus dedos
como água no queixo em um lugar fundo
como um buraco escuro
como um pulo sem fim
como uma vida eterna

sem morte nenhuma
só a chance de ver a vida passar pelos olhos
enquanto o pior me come por dentro

eu sempre digo
podia ser pior?
não
não podia

eu não faço ideia
do que eu tô fazendo aqui
e até eu cair
eu tava bem

mas uma hora a gente tropeça
e dói que é um caralho

de novo o pior de mim
que eu sei muito bem
me pintar de chorume
e sentir pena de mim

domingo, 9 de outubro de 2022

Pula a fogueira

francamente fraco começa assim pelo rebosteio de uma perspectiva 
singular e desanimadora parece pular em todo buraco pra chamar de
seu minha casa meu lar meu profundo eu já faz muito que as palavras 
saíam e diziam o que eu tinha a dizer mas agora ficam engasgadas 
entaladas engastadas gasto tudo trotejante pra me libertar de 
qualquer ideia que não seja minha saudável coerente 
inconclusivamente fraco de folias e fissuras fascínora desiste de si 
todas as vezes que o sol deixou de sorrir como se sol tivesse boca e 
toda boca fosse imã do meu próprio sorriso lábios flamejantes e 
borboletas no estômago e excitação de primeiras vezes como se a 
virgindade fosse sempre o caminho pra uma próxima e intensa aventura

francamente fraco desiludido porque a lâmpada queimou e a lua lá 
fora faz sombras geladas como réptil sonho com fogo e me enrolo 
no meu pequeno ego pequeno como palíndromos de três letras 
ama e ama e ama como disco riscado e ama e ama e ama e 
pouco há de sentimento exclusivo que exprima com eficiência essa 
violenta e inabrupta situação odienta de rasgos impotentes querelas 
sem justiça fortalezas rachadas pratos quebrados copos em vão livre 
pulando precipícios fundamentados em prazeres passados e sonhos 
apagados porque a lâmpada... ela queimou...

francamente. fraco. ensimesmado de fatores conscientes que me 
transbordam e transformam em juíz de todos nós principalmente 
meu como se justiça e sentença fizessem parte da mesma 
programação irrisório e ilibado irrisível e libidinoso irracional e 
literalmente fraco. francamente fraco. tempo e espaço caminhando 
a minha frente sem esperar nem olhar pra trás e eu aqui como criança 
abandonada poros molhados fé estarrecida juízo inconformado 
incontente com patifarias e meu busto na praça pública cada vez mais 
longe de ser real modelo de merda pode ser pelo menos serviu de 
alguma coisa pode ser

fracamente franco no silêncio rotundo porque elas não voltam pra 
mim se foram como décadas de domingos esquecidos e segundas 
assustadas e terças impossíveis e quartas insuportáveis e quintas de
esperança e sextas de decepção e sábados de desespero ou vai me 
dizer que os dias que passaram já foram mais bonitos com astros e 
deuses e fés incompreendidas por ignorâncias mais baratas que tudo
que viria a porvir

ouve o que eu tenho a dizer que são palavras de pura sabedoria 
porque meu saber é pleno e plano como pastos secos e rachados de 
solidão superestimada e isso tudo me faz tão poderoso quanto uma 
caixa de fósforos quase vazia me ouve e escuta eu queimar