terça-feira, 20 de março de 2018

(n)os canais de Veneza

até quando você vai ficar morrendo?
o verão acaba e o outono não podia ter outra cara
tudo cinza e molhado e o sol se escondeu
daquele jeito triste e acanhado
de quem aceita que o mundo já não pende mais em nosso
favor

por favor
não morra

até o dia que as coisas borbulhem
demais e a pressão jogue a tampa para o alto
como um foguete livre da plataforma de
lançamento

perecendo aos poucos e se cheirando
pelo que parece muito vaidade
levanta o braço e aspira com o nariz apontado para a axila
e a pele já envelhecida ainda não parece apodrecer

no fim gosto do meu cheiro
o qual guardo com o carinho da vida
se o sinto sei que vivo

se meus pés ou minhas mãos deixam de funcionar
olho com cuidado para suas cores
e respiro profundo procurando tons
de carne abandonada

por que continuo morrendo e pareço tão vivo?

só minhas olheiras roxas e a incansável tentativa de existir sem deixar rastros
apagando qualquer pista que me leve ao que foi feito
ou o que deixou de ser feito

pois há um esforço fenomenal em esconder a própria ausência
e outro pra mostrar que ainda existe

a pele continua morena
meu cheiro é minha identidade
eu vivo
o que parece
vaidade

terça-feira, 13 de março de 2018

O primeiro dia depois de ontem

um marco na história
mais um novo capítulo de uma narrativa sem fim
atravessando português e memória
pra continuar começando de novo

todo o tempo se enrolando
girando dentro da máquina de lavar
roupa suja e rota
uso os segundos amassados e os minutos ainda
úmidos

o meu império de esmolas se tatuando no mundo
gravado para sempre como mais uma mancha de vinho
uma novidade com letras grandes e centralizadas
comigo pronto para seguir em frente

depois eu começo o muro pra sentar em cima
outra hora eu pinto uma bandeira
no futuro hasteio como torcedor de organizada
por agora basta o título

um novo capítulo para sempre

sem volta

eu volto

de novo