quarta-feira, 2 de abril de 2025

O brilho de uma mente brilhante ou a história de uma alma vulgar

eu sinto falta da tristeza
porque agora tudo
vira raiva
e sou esse fogo

virei fogo
e tudo que
toco
vira cinza

tudo vira raiva
e porque não sei
o significado
não vira ódio

por pouco
não vira
ódio

me sinto pequeno
porque antes o
fogo era sensualidade

e eu me sentia
sensual pra
caralho

eu já fui fogo
um fogo triste
com os olhos
de sedução

um corpo de sexo
e um cérebro de sexo
e tudo isso
era fogo

hoje o fogo é
raiva

só raiva

sem tristeza

pequeno como pederneira
que por fricção
vira faísca
e todo o resto
é combustível

eu explodo
em chamas

tudo que toco
vira cinza

vou incendiando
a minha volta
o meu espaço
o meu próprio corpo

tudo é incêndio
e o que eu era
virou cinza

terça-feira, 1 de abril de 2025

Acredite, engula, aproveite, ganhe, mais um dia

A manhã vinha cheia de barulhos e tudo me parecia demais. Às vezes é demais. O trânsito lá fora, as pessoas, tantas pessoas, um mundo cheio de pessoas que buzinam e silenciosamente rumam ao seu destino. Porque há sempre um destino. Um fim. E um começo. E um novo fim. E um ciclo que se repete até o universo ir se desintegrando passo a passo, buzina a buzina. O sinal abre. O sinal fecha. Pouco carro anda. A bicicleta ultrapassa. O barulho. O barulho. Os meus talheres batendo na minha louça. Minha xícara batendo na minha mesa. Meu coração batendo no meu peito. Minhas angústias sonoras. Alto e bom tom. Como música sem ritmo. Como ritmo sem instrumento. Como instrumento sem som. Tudo reverbera. Belo como animal irrequieto. Monstruoso como quatro mil palavras presas na garganta. A manhã vinha cheia de barulhos e tudo me parecia demais. Às vezes é demais. Quatro mil palavras presas na garganta e o trânsito lá fora. Tantas pessoas como ritmo irrequieto. Meu coração como talheres batendo na minha louça. Sinal fecha, sinal abre, e meu peito quase não fala. Estou a um universo de distância do meu corpo. Meu corpo fechado. Minha mente aberta. Eu diluo no céu. O céu barulhento. Como animal irrequieto craquejo no meu próprio silêncio. Meu corpo quer tanto dançar. O barulho sem ritmo. Como música para os ouvidos. Às vezes é demais. De fone de ouvido, em silêncio, me protejo. Meu barulho me assusta. Ligo música. E ela me contempla. Me completa. Meu barulho me esquece. Meu corpo quer dançar. Aumento o volume até que o limite seja físico. Enquanto o tímpano não dói, a música fica mais alta. E alto, eu desmancho. Meu corpo caindo, minha mente em pé. E eu me perguntando que merda que eu fiz da vida. Quem eu deveria ter sido? Onde eu errei e onde eu acertei? Acertei no meu pé. Manco até o banheiro. Acendo a luz e me vejo no espelho. Sem barulho. Só música. Manco até essa cadeira. A gata deita sobre as minhas pernas. E eu me sinto tão longe de tudo que há de legitimo. Tudo surreal. Sem barulho. Só uma manhã com quatro mil palavras escondidas em uma garganta que não fala. Os dedos craquejam e em mosaico os cacos de todas elas se juntam. Meu corpo pede dança, meus dedos o fazem. Já fui outro. Anseio por amanhã. Serei eu mesmo. Sem ritmo, sem pessoas, sem soluço e sem universo. Só eu mesmo.