quinta-feira, 6 de março de 2025

Vai ver não tem mais o que ser feito

não sei trazer as palavras
elas parecem longe
e sem elas
me sinto sozinho

sempre odiei vomitar
e de repente
minha vontade
é de vomitar

não é enjoo
é vontade

vontade de vomitar tudo
tudo mesmo
até que eu me revire
e de mim não sobre nada

é esse o sentimento
e as palavras que eu sei
são cruas
é vômito

eu me sinto péssimo
não me sinto triste
me sinto péssimo

veio tudo junto
a vontade de ser invisível
o desespero da existência
o corpo

o corpo
on the line

a um traço de
acabar

eu sei que não é verdade
que é só uma ressaca
que vai ser bem longa

eu sei que por umas horas
eu disse que me sentia
ótimo

essa lembrança
me destrói

é como se eu quisesse
esquecer
como se eu não aceitasse
que eu senti

e eu sei que me senti
completo
grande
repleto de mim
cheio de existência

mas eu tava bêbado
ultra medicado
esse não era eu

eu já fui embora

sobrou isso

que eu não consigo gostar

o corpo
on the line
sempre on the line

o corpo

volta tudo
a vontade de não existir
volta tudo
a nostalgia de ser o que fui

e se me perguntar
eu vou dizer
que fui um lixo

a dualidade
dessa saudade
de ser
quando na verdade
eu não queria
e agora que quero
não sei

eu não sei ser

eu não sei escrever

eu não sei dizer

eu não sei falar

eu não sei ouvir

eu não sei ver

eu não sei sentir

eu simplesmente
não sei

o corpo
ele desiste
e eu quero tanto
desistir
toda hora
eu quero
desistir

toda hora
que eu quero ser

eu desisto



(e só sobra aqui
a vontade de pedir
perdão

porque eu desapontei
todos vocês)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Deus te traz de volta

o título era o nome da música

e ela me subiu
eu queria muito
dizer o que eu sinto

mas era música
e eu subi

queria muito meus dedos dançando

agora de olhos fechados
minha mente cada vez mais longe
meu cérebro desconectado do corpo
como um ser por si só

um cérebro sozinho
como num grande vasilhame
cheio de líquido rosa
e ele ali

ele e medula espinhal
sem corpo
lá longe

bem longe desses dedos
que não escrevem nada
e nem dançam
e nem traduzem

só escrevem
porque é isso
que o cérebro manda

lá longe

só pedindo
que escreva

e registre esse momento singular
como um novo ponto no tempo
um novo lugar no espaço virtual

um paradigma
um novo capítulo
uma página nova

como se o resto fosse passado
e não houvesse futuro
senão páginas em branco

esperando que esses dedos
finalmente
escrevam

queria Deus
que me trouxesse
de volta

mas me deixa
imerso lá em cima

porque sou cérebro

e o resto

pouco importa

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

O alinhamento dos absurdos e os anais da arrogância

os planetas estão alinhados
visualmente alinhados
marte, júpiter, urano,
netuno, vênus e saturno

logo logo mercúrio
entra no alinhamento
e todo o sistema solar
se torna linha daqui da terra

isso não significa nada

os planetas não estão em linha de verdade

nem mesmo os astrólogos dão muito valor a isso

eu li em algum lugar
que isso só vai acontecer
de novo daqui milênios

mas toda vez que minha ansiedade
me transborda
e minhas obsessões
me enlouquecem

eu penso que os planetas estão alinhados

como uma premissa absurda
que permite que os absurdos aconteçam

e vencer as ansiedades e as obsessões
estão no campo do absurdo

é só o absurdo que convence a mente
que essa merda toda vai passar
porque veja bem
os planetas estão alinhados

não significa nada

mas acho que todo o resto
também não

sábado, 18 de janeiro de 2025

(Sem título)

cursor de texto
esse é o nome dessa barra vertical
que pisca e pisca e pisca
esperando que o próximo caractere venha

ele pisca
esperando

que logo essa poesia
se torne algo senão ideia

eu não tenho ideia
do que essa poesia
pode ser
senão caracteres

ele pisca
esperando

não sei ainda se
me sinto o cursor
ou se minha vida
é o cursor

mas algo pisca
intermitente
esperando vazio
respirando vazio

algo pisca
esperando

que essa poesia
seja uma ideia

que as ideias
sejam ações

que as ações
sejam assertivas

erro mais do que queria
e meu passado é um
turbilhão de arrependimentos
que me levam a isso:

o cursor piscando
como pisca-pisca no Natal
eu que nunca gostei do Natal

preso entre o que foi
e o que será
não estático
mas piscando

como olhos indignados
que abrem e fecham
descrédulos da realidade

ele pisca
esperando

só não sei
o quê

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Um labirinto sem solução ou a labirintite e o soluço

quatro e meia e o dia não tinha muito bem começado
há no corpo algo de extraordinário
uma tonelada um peso um desejo
desejo de fim de morte de nada

não numa qualidade suicida e depressiva
mas numa latente vontade de acabar
a vontade do corpo
não minha

eu sigo esperando
porque ali na frente
essa tonelada passa
e por milagre não há dor

droga é milagre no século vinte e um
quatro e meia e o dia não começou
dor e dor e dor e minha cabeça fica
se lembrando duma questão que sempre esteve aqui

o que havia aqui?

porque o que há é degradante
e eu me seguro em degradar
o que já está degradado

não há motivo para chutar
o gato morto
humilhar o humilhado
e exaltar os defeitos de si

há sim uma espécie de condolescência
como se me visse em terceira pessoa
e meus pêsames, meu amigo

vida que segue
e luto que fica

mas exatamente
o que havia aqui?

escrevi com todas as letras
onde eu me perdi?

e com essas palavras
me encontrei olhando pra
essas letras

meus punhos e mãos doendo
como se eu tivesse escrito
uma longa redação

e olhando pra essas letras
eu me achei em frente ao meu teclado
olhando para o meu monitor
sentado na minha cadeira
fones de ouvido tapando o mundo lá fora
sem música
só os ruídos abafados da cidade

me encontrei

pontualmente
espacialmente
singularmente

sem saber

quem eu sou de verdade

e

onde
eu
me
perdi.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Ela mesmo

das minhas mãos
surgiam palavras
e como um mago
eu inventava um mundo

os meus olhos tortos
viviam seu jogo de adivinhação
e por todas as vezes que
fui, agora fico

sentindo na pele quente
o sereno frio às quatro da tarde
criação de um desejo impulsivo
de viver o depois antes do agora

a mente fora de mim
porque no espelho
vejo casca e máscara
e aqui dentro, sucumbo

debato
remexo
tremo
e aperto as mandíbulas

eu sou o noia
vivendo de paranoias
e de paraquedas
caio devagar

falo sozinho
escrevo essas palavras

nada significa
tudo é morte
e a morte é linda
como os periquitos contentes
que giram e pousam
na árvore frondosa
de um lugar
que jamais
vai deixar de existir

porque algumas coisas
nunca vão acabar
e outras já se foram
e nada disso
que minhas mãos criam
faz algum sentido

só a minha cabeça
apoiada na cadeira
e meus dedos dançantes
sem propósito
ou fim
só isso
que vai indo
mais pra baixo
e mais longo
como a vida
ela mesma

que vai indo
mais pra baixo
e mais longa
sem fim
sem morte
sem suicídio
sem eutanásia
sem acidente

mas um café da tarde
com bolo quente
uma noite bem dormida
com a gatinha esquentando as pernas suadas
um sonho
que se apega
em realidades
que jamais
virão
ver a vida

ela mesma
que minhas mãos
não conseguem
inventar

terça-feira, 22 de outubro de 2024

A cascata

Bêbado numa terça-feira à tarde. O mundo já tinha acabado, então tudo bem acabar bêbado. Acho que foi assim que eu pensei? Não, eu só estava horrível como nunca. Pouco tempo antes, havia tirado uma soneca sem querer. Deitei na cama para ouvir e acabei paralisado num inferno sem fim. Sem fome, sem sono, com dor. E dormi. E sonhei. E acordei. Com fome. E sem força, dormi. E me revirei. E dormi. Até levantar e finalmente minha cabeça tremer pra cima e pra baixo involuntariamente. Num constante sim sem fim. Sem sentido. Com um leve tom de desespero. Aí decidi que ia comer. Já passava do meio dia há algum tempo. E dali vão procrastinações que me levam a finalmente cozinhar. E cozinhar, por que não com uma cervejinha? Assim que eu fiquei bêbado numa terça-feira de tarde. Eu só ia cozinhar péssimo. Nada demais. Era só o fim do mundo e eu acabei ficando bêbado.


Eu entendi um pouco mais de mim. Eu estou muito preocupado com o futuro. Não preocupado com temor. Mas preocupado com ansiedade. Ansioso pra que ele venha logo e me mostre tudo o que há nele. De repente eu entendo que o passado é tudo o que temos. O futuro são partículas de anseios. E o presente é esse meio-termo superficial onde há uma constante guerra entre manter as coisas como o passado comanda e o paradigma do futuro que nunca se apresenta. O futuro é segurado pelo presente. O passado é segurado pelo presente. E eu sinto que só o presente é uma jaula. O presente me prende.


Há liberdade no passado. Podemos viajar em todas as eras que a humanidade já se deu o trabalho de traçar. No fundo, são perspectivas que se tornam narrações. A História, com H maiúsculo, não passa de histórias coletivamente bem aceitas. Histórias, com h minúsculo, que contam e recontam como nós humanos viemos parar nesse ponto singular no espaço e tempo.


Há liberdade no futuro. Imagináveis e inimagináveis projetos de possibilidades para um tempo que, efetivamente, nenhum de nós irá viver. Há quem acredite que o futuro se baseia em sonhos. Sonhos são futuro ilegítimos pessoais. O futuro não depende de pessoalidades. Embora algumas pessoas tem poderes maiores sobre o que acontecerá nele. Eu imagino, eu vejo, eu anseio. Eu tenho as minhas vontades e desejos. Nenhum deles é sonho. E muitos deles falam de futuro. Futuro distante. Milhões de anos lá na frente. Longe, mas muito longe de mim. Longe de tudo que nós conhecemos. Longe de tudo que nós imaginamos. Porque o futuro é que nem o passado, por um lado tem fim, neste, ou começo, naquele, mas na outra ponta é infinito.


Há liberdade no infinito e apenas no infinito.


O futuro não tem História, mas ele só acontece por causa dela. Não há futuro sem História. Não há História sem presente. Não há futuro sem presente. Mas no presente, não há liberdade. Há uma constrição contínua do que podemos ser, o que podemos fazer, o que aconteceu e o que acontecerá. Há pouca imaginação disruptiva, há pouca surpresa. E nesse universo pouco surpreendente: eu existo.


Eu entendi que não estou preocupado comigo. Eu não estou preocupado com a humanidade. Eu não estou preocupado com a verdade. Estou preocupado com o que acontece. The big picture. Nada mais que a big picture. E estou preso porque nunca verei isso tudo. Com a impressão de que eu fico preso nesse lugar que o passado segura o futuro. Nada acontece porque há uma correia, um freio, um limitante. Como se o presente fosse um copo cheio de passado e o futuro esparramasse sobre, e passado e futuro se misturassem e transbordassem o copo. Num ciclo sem fim. Passado e futuro se misturando e transbordando essa mistura. Perdendo oportunidades e a nossa História aos poucos.


Eu me sinto fora do tempo. Anos há frente, não muitos. Todos os meus pensamentos e minhas ações rondam esse futuro próximo. Eu não consigo me ater ao presente. No presente eu fico preso no passado. No presente, meus genes são passado. Eles me destroem. Meus genes odeiam o meu corpo. Meu passado odeia o meu corpo. Eu odeio o meu corpo. E eu havia escrito, antes da edição, que "sem em nenhum momento odiar o meu passado". Eu sei que é mentira. Eu odeio o presente. O presente me prende. O presente me ofende. O presente me reduz. O presente me deixa tão pequeno que eu tenho consciência de que sou um merda. O presente é a minha camisa de força enquanto loucamente almejo o futuro. O futuro que eu nunca verei. O futuro que vem lá na frente, bem depois dos meus pensamentos e minhas ações.


Eu não me preocupo comigo. Eu me preocupo com o futuro. A liberdade do futuro. Será que serão livres? Sejam as vidas que sejam, humanos ou não. Quem vai sobreviver à essa catástrofe? Eu não, tenho certeza. Humanos ou não, eu imagino.


O que sobra sou eu, preso nesse corpo bêbado e definhante.