sábado, 7 de junho de 2025

O conto da aranha

aqui a poesia vem que nem os sentimentos: explodem e vão embora. depois de pouco, fico vazio. sem sentimento e sem poesia. e se eu tentar escrever, ou sentir, o que já passou, tudo isso não passa de uma atuação. nunca vou esquecer que na adolescência, uma amiga atriz-mirim me disse que eu deveria fazer teatro, que eu tinha jeito pra isso. hoje ela não é minha amiga, mas acho que talvez ela seja atriz. hoje não sei se sei ser ator, mas fico trocando de máscaras e não sei exatamente quem sou. sou só ator, quem sabe. pois ontem a caminho da cama, a poesia veio abrupta. e aqui sou ator, não poeta.

há três semanas... mais do que duas, com certeza... acho que três semanas... não mais que quatro, com certeza... três semanas e meia talvez... que seja: no mês passado eu escolhia frutas e verduras no mercado e raspei a cutícula do dedão no monte de qualquer coisa que o preço estivesse bom. raspei e olhei o dedo e pensei que o tempo cura. o tempo cura tudo. tem gente que não consegue se curar de dor de corno. mas o tempo cura até dor de corno. quem nunca foi corno, não sabe o que é amor, nem sabe o que é dor.

o dedão logo se mostrou diferente. não foi a cutícula coisa nenhuma. entre a falange e a cutícula, ele inchou. depois ficou vermelho e na vermelhidão brilhante eu via os dois pontinhos das presas da aranha. tinha uma aranha no monte de fruta ou verdura. eu nem lembro se era fruta ou se era verdura. sei que era casa de um bicho. e esse bicho me mordeu, brabo de ter sua casa violada. o dedo ficou inchado, difícil de mexer, doído. mas uma dor sutil, aceitável, compreensível. nem perto da dor de corno. o tempo ia curar e eu sabia que não era aranha marrom e que não ia morrer nem precisava ir à emergência: socorro meu dedo vai cair. não, logo o dedo melhora. o vermelho fica roxo. o roxo fica duro.

e sabe. eu não penso em aranhas. nunca penso em aranhas. não ligo pra aranhas de forma alguma. não me incomodam nem me fascinam. minha sogra e minha prima tem fobia. meu irmão acha que são amigas, pois matam mosquitos e insetos indesejáveis, então ele não mata aranhas e as teias se formam em barbas entre parede e teto de todos os ambientes. quando morávamos juntos, eu pensava em aranhas. era assim, cheio de barbas, a minha, a dele, e a das aranhas nos tetos de todos os ambientes. e as aranhas eram amigas. eu nunca fui picado por uma aranha. ou não lembro de já ter sido. eu lembro que já fui picado por um zangão. ou isso é memória criada?

há duas semanas... mais do que uma, com certeza... acho que duas semanas... não mais que três, com certeza... duas semanas e meia talvez... que seja: semana passada, deitei sob as cobertas no frio escuro. e não tão logo, minhas mãos inchadas do tamanho de melões maduros. às vezes eu deito e na minha insônia tenho muita consciência que tenho mãos e mandíbulas. então sou todo boca e mãos, como se ambas fossem imensas. de vez em quando é exatamente o contrário: com sono extremo, não sei onde estão minhas mãos, então as mexo só pra saber se ainda existem e me vejo abraçado por mim mesmo, enquanto achava que me apoiava no colchão. enfim, semana passada e minhas mãos melões. abro e fecho os dedos. a mão direita toda inchada de verdade, não de sensação. aperto todas as falanges e suas almofadinhas, até descobrir que no dedo anelar tem algo como uma picada. entre a unha e a falange do mindinho eu sinto uma dorzinha. penso em picada em imediato. e isso me deixa assim... não pode ser a mesma aranha. não pode ser aranha. não é possível. eu nem penso em aranha.

no dia seguinte investigo. não vejo. ainda não vejo. primeiro é inchaço. e vai inchando e dificultando o movimento. uma dorzinha sutil. logo o tempo passa e se cura. o tempo cura tudo. menos dor de nascimento. tem umas dores que nem terapia cura. ficamos presos em padrões obscuros que vem desde lá do berço. às vezes não é culpa de ninguém. é só dor que bagunça a mente da criança que bagunça a mente do adolescente que bagunça a mente do adulto que bagunça a mente do idoso. baderna em forma de dor. baderna da ruim. mas essa dor o tempo cura com certeza. não é aranha marrom, senão já tava feio. aí tem que ir correndo pro hospital, senão perde dedo, perde mão, perde vida e não vale a pena essas perdas. pouca coisa vale a pena perder nesse mundo de acumulação de bens e capital.

inchou. depois ficou vermelho e na vermelhidão brilhante eu via os dois pontinhos das presas da aranha. mostrei pra esposa como criança orgulhosa que acha besouro brilhante no jardim. olha minhas picada! parece picada de vampiro, os dois dentinho. ela diz mais hôme, vai pro hospital agora! que nada, não é de aranha marrom, senão já tinha caído. morrer de picada de aranha marrom é fácil. a gente aprende isso na escola. que nem a gente aprende que fumar mata bem matado. a gente aprende a sentir dor e a inflingir dor também. depois a gente tem que lidar com essas dores idiotas. criança é muito idiota, puta que o pariu, com o perdão da minha mãe, mas puta que o pariu criançada. pois era aranha. eu nunca penso em aranha. e de repente eu tinha três picadas de aranha na mesma mão. três picadas de aranha. seis dentinhos de vampiro. em três semanas. ou duas. meio mês que seja.

eu não penso em aranhas. eu não ligo pra elas. assisti um filme estranho com o adam sandler, o astronauta, e ele tem um amigo imaginário ou um amigo alienígena, que isso nunca fica claro no filme, que é uma aranha gigante do tamanho dele. em determinado momento eles se abraçam. e achei só estranho, porque por quê aranha? acho que pra algumas pessoas, isso deveria ter sido terrível. uma aranha gigante, com seus olhos gigantes brilhantes refletindo o universo salpicado de estrelas. não me incomodou. só achei estranho. tem gente com fobia. e pouca gente se conecta sentimentalmente com aranha. acho que meu irmão ia gostar. de ter um amigo aranha gigante, não do filme. mas isso não ficou comigo, essa memória veio depois, porque eu não penso em aranha. eu nunca penso em aranhas.

a vida é cheia de mistérios. what the fuck em inglês. e cheia de lombadas e cheia de o que eu tô fazendo da minha vida. cheia de frustração e cheia de exageros. a minha se transformou em raiva. tudo que era coisa virava raiva. e eu não estava com raiva das aranhas. estava sim confuso e what the fuck. afinal eu fui picado duas vezes no mesmo dia, sem nem perceber. aí eu não sei onde foi, o que foi, porque foi. da primeira vez não sei onde foi exatamente, mas eu entendo que a dona aranha só ficou zangada porque atrapalhei a casa dela. e agora duas picadas podia muito bem ser debaixo das cobertas, dentro das minhas roupas, das luvas, porque escolhi mais uma xícara de café que não precisava ou fumei uma vez que eu poderia ter evitado, pode ser que bebi pouca água ou que não guardei minhas roupas bagunçadas no ármario ou exatamente o contrário. podia ser uma lição ou castigo. ou podia ser pau no cuzice mesmo, ela tranquila passeando e beleza, vou picar aquele filho da puta porque ele existe. pode ser porque fui bom ou fui mal. essa aranha tava virando o papai noel, percebe?

e eu tava no banho e eu já tava pensando em aranha demais. eu nunca pensava em aranha. e agora eu pensava em aranha ora ou outra. entre outras obsessões minhas eu pensava, obsessivamente, em aranhas. pensava nas picadas. pensava no motivo. o motivo me pegava. a aranha que não existia. eu nunca vi nenhuma dessas aranhas. eu nunca vejo aranha aqui em casa. é raro. e eu mato, mas só porque tenho uma gatinha e nesse confronto entre a pior caçadora do mundo e a melhor, a melhor vence. não quero apostar, mato primeiro. e no banho eu tô com raiva de tudo. das escolhas, das consequências, da lentidão, da falta, da necessidade. a raiva me comove, ali. depois passa, que nem falei ali no começo. mas por aquele breve e intenso momento, explode. e na raiva, começo a pensar que a culpa é da aranha. é mais fácil colocar a culpa nos outros do que assumir responsabilidades. a culpa é da aranha. ou das aranhas?

o homem-aranha já foi meu super-herói preferido, junto com wolverine e batman. engraçado que o homem-aranha é muito diferente dos outros dois, másculos e peludos e seus rostos quadrados e masculinos que é um caralho. peter parker é pequeno e não é frágil porque foi picado por uma aranha. e depois tem os outros homens-aranhas, todos picados por aranhas. será que estou menos frágil? culpa da aranha ou da terapia ou da vida que vai deixando a gente mais duro. a aranha, nem faz sentido, por que me picou da segunda vez? e como seria a mesma aranha? só se eu trouxesse pra casa comigo desde o mercado. nem faz sentido. são pelo menos duas aranhas. talvez três.

no banho eu acho que tem tudo a ver com a aranha. eu tô fodido por causa da aranha. das aranhas. são várias, não faz sentido ser uma. as aranhas. e começo a justificar tudo em volta das aranhas. nem faz sentido. é um jeito que eu tenho de canalizar minha raiva. e por mim tudo bem. essas aranhas não existem. elas me picaram, mas não existem. certa vez meu irmão viu um rato passando na casa. mas ele não tinha certeza do que viu. e ninguém acreditou muito. um pouco, mas não muito. o tempo passou e logo a batata doce na cozinha estava toda roída. o rato existia. de vez em quando dava pra ouvir ele fazendo seus barulhos de rato dentro do armário da cozinha, mas quem já procurou rato sabe que um sinal de movimento é o suficiente pro silêncio pleno e ele nunca será encontrado. o rato existia, mas não existia. e com veneno de rato aqui e ali, a ideia era ele cair em alguma armadilha. nunca caiu. nunca comeu a ração envenenada, nunca comeu mais nada, nunca deu mais sinais. exceto alguns cocôs que com certeza eram de rato. e alguns barulhos no silêncio da noite e com certeza era de rato. numa madrugada, meu irmão foi à cozinha e sem querer pisou no rato, um passava pra lá, o outro pra cá, e o destino, não o irmão, matou o rato. ele colocou o rato em sacolas e levou pra fora no lixo. ninguém nunca viu o rato, só ele viu o rato. eu ainda acho que esse rato nunca existiu.

enfim, o banho. terminei o banho. de cócoras passo o rodinho no piso. e ali entre chão e parede vejo um ponto que acho que é aranha. encosto o rodo no ponto, esperando movimento. o ponto não move e eu sem querer passo mais forte e logo esse ponto se despedaça como inseto. era aranha ou era outro bicho? sujeira sujeira não era. era coisa viva que matei sem querer. mas era aranha? aranha que me picou? aranha que não existe. isso era. pelo menos disso eu tenho certeza. se era alguma coisa, era aranha que não existe. e me entra na cabeça que sim a aranha significa alguma coisa. alguma coisa. alguma coisa. tipo aranha que não existe.

ontem eu tava lendo. e o livro não falava de aranha coisa nenhuma. falava de terra. de vento. de dor que não se cura. e não era dor de corno. falava muito de morte que não vem. morte que não existe. isso falava. não existe. eu não penso muito na morte mais. já fui obsessivo pela morte. nunca morri. meio que quase. não sei quanto quase. acho que não existe medida pra isso. morreu e pronto. e tem gente que volta a vida e não é zumbi. ou é, tudo depende de classificação. se eu morresse e revivesse, eu me chamaria de zumbi, mais pelo humor do que pela classificação científica. jesus mano zumbi, maneiro de certa forma. e a esposa já adormecida, escondida nas cobertas até o topo da cabeça pra minha luz não atrapalhar o sono, leio sonolento até terminar o parágrafo. e na sonolência, fecho o livro com lentidão. a última página e a contracapa meio presas na minha mão. a última página vira com a demora de um dia inteiro. e entre página e luz, a sombra de uma aranha subindo o livro.

A ARANHA! ELA EXISTE A ARANHA! A ARANHA DO LIVRO! A ARANHA MORA NO LIVRO!

e eu acordo da sonolência é claro! a aranha existe! olho com cuidado o livro todo. fora e dentro. capa e contracapa e lombada, folha a folha, todo o conjunto de diferentes papéis, tinta e cola. procuro na cama. eu procuro. e eu procuro a aranha. como detetive eu procuro todas as evidências de que em algum lugar por ali poderia ter havido uma aranha. uma aranha que não existia mas de repente existia. porque eu vi e isso não era sono nem sonho, era fato. era sombra. mas era fato. e no fato, o detetive se afunda nas evidências.

aparentemente a aranha não existe.

eu vi a aranha.

e ela não existe.

vou fumar pra me arrumar pra dormir. e penso no significado espiritual da aranha. minha companheira acha que tudo tem um significado espiritual. eu não acredito nisso. picada é picada. duas picada é duas picada. três picada é três picada. a não ser pelo português. três picada, na verdade são três picadas. mas não mais do que isso. mas é muita aranha. hoje mesmo de manhã eu vi um ponto se mexendo e logo pensei que era aranha! não era aranha. e esse ponto não se mexeu. e esse ponto não era sujeira nem bicho, não era nem vivo nem morto, era só o tempo que passou e pintou aquele ponto. só uma dessas coisas que o tempo escreve e termina com o ponto final. era ponto e ponto. não era aranha que não existe. ou era, se pensar bem. definitivamente era aranha que não existe. enfim, é muita aranha pelo amor do nosso senhor jesus cristo amadinho! não falo o nome do homem em vão, é que é muita aranha!

eu procuro. não a aranha. mas "significado espiritual aranha" e depois "significado espiritual picada aranha". os dois vão pro mesmo lugar. pelo menos ontem. hoje, escrevendo a mesma pesquisa, mas no computador, não no celular, vão pra lugares um pouco diferentes.

A aranha, em termos espirituais, é um símbolo de paciência, persistência e criatividade. Ela representa a habilidade de tecer, construir e conectar, e pode ser vista como um guia para desenvolver essas qualidades na vida.

A interpretação espiritual de ser picado por uma aranha é multifacetada e varia de cultura para cultura, mas geralmente está ligada a temas como mudança, transformação e a necessidade de lidar com medo e crenças limitantes. A aranha como símbolo, representa a tecelagem da realidade, a criatividade e a capacidade de tecer a própria teia de vida.

[grifos do autor. autor: Google Gemini]

achei bonito. esperava que tivesse alguma coisa a ver com morte. aranha me lembra caveira, me lembra pentagrama ao contrário, me lembra preto, me lembra metal e metaleiros e pensando bem nem é sobre morte, mas uma estética. mas pensei que era alguma coisa a ver com a capacidade de matar, de ser furtiva. de não existir. e eu gostei. é isso mesmo. minha vida. minha raiva. minha vontade. meus desejos. minha raiva toda. a raiva que se eu não coloco num lugar legal, vai pro lugar da desistência. eu desisto, eu sempre desisto. no final das contas, eu não quero existir. não é sobre morte. aí é sobre nascimento mesmo. mas a raiva, na verdade, é que eu quero mudar, eu tô tentando mudar. eu tô persistindo, tô paciente na mudança, na transformação. tô tentando lidar com as crenças limitantes, com meus medos. tô tentando. e eu fico com raiva porque eu não vejo o resultado. só quero pagar minhas contas sabe?

a aranha. eu não sei se ela existe. e se ela existir, agora não sei se mato. não sei se deixo ela tecer minhas novas realidades, de me conectar com o que há de ser conectado nessa realidade desconexa que vivo, não sei se espero que me pique mais uma vez enquanto não mudo e não muda e tudo fica quieto como água de dengue enquanto o vento lá fora faz de qualquer pote molhado um mar revolto. ou se só mato. pois acho que mato. tem uma gatinha no meu colo. e a aranha, se ela for marrom, pode matar ela. e ela não vai dizer pra mim que foi picada. só vai sofrer em silêncio. e a gente não vai poder levar ela no hospital na urgência. então mato. eu não aposto entre caçadoras. enfim, se minha namorada sabe disso tudo, ela vai falar com certeza que eu avisei, é o que eu tô falando desde sempre! e é o que ela fala desde sempre. que seja. a aranha que não existe, ela vive. que seja.