Eu tinha conseguido arranjar um emprego miserável. Trabalhava só no turno da tarde, mas ganhava menos do que o porteiro do prédio do lado de casa. Não que eu esteja desmerecendo os porteiros, só acho que eles fazem muito menos coisa do que eu fazia. Porteiros precisam fingir que não estão dormindo, precisam atender o interfone, avisar o morador que alguém chegou, daí apertar o botão de abrir o portão. Talvez, na pior das hipóteses, ele tenha que anotar alguma coisa, assinar alguma coisa, mas não passa disso.
Eu operava uma máquina de fazer fundação de obras. Era algo parecido com um guindaste, que segurava um bloco pesado de algum material que eu não conheço, esse bloco subia e descia com o motor que ficava do outro lado da máquina, batendo no topo da viga da fundação da obra. Um trabalho fácil e monótono, o que me dava tempo prá fumar e beber enquanto mexia com o trambolho amarelo. Prós e contras, tudo tem seus prós e contras. Quando chovia muito, iamos embora, pois era impossível fazer um buraco na lama. Quando chovia pouco, tinhamos que nadar naquela terra nojenta, com o vômito da cidade que cai do céu, enquanto tentávamos fazer aquela máquina velha funcionar. Era bom, pois eu não precisava acordar cedo, podia ir aos bares todos os dias e me embebedar infinitamente. Era ruim, pois o barulho da máquina estuprando o chão era ensurdecedor, chacoalhava a minha cabeça ressaqueada. Dia sim, dia não, eu procurava um emprego melhor, mas nenhum deles pagava mais do que a mixaria que eu recebia pelas quatro vagabundas horas de trabalho.
Um dia choveu pouco. A chuva ácida empoçando a terra cuspida pela máquina. Eu, bêbado e num humor deplorável, resolvi ir embora. Os caras que me ajudavam com o maquinário (eramos 4, revesávamos na parte complicada, que era fazer girar o motor manualmente) tentaram me impedir, mas logo os filhos das putas estavam atrás de mim, perguntando o que fariamos. É um estereótipo estúpido, todos eles com a mesma cara que a minha. Carecas com cara de retardado, nariz grande, voz grossa, babávamos enquanto falávamos. Babacas, não conseguiam pensar por si só. Bando de babacas.
No dia seguinte, nosso chefe nos perguntou o motivo da parada na furação. Eu fui claro:
- Choveu.
- Choveu? É isso que você tem a me dizer? CHOVEU O CARALHO! EU TRABALHEI NAQUELA CHUVA, VOCÊ, QUE É UM FILHO DA PUTA DE UM BÊBADO, NÃO PODE TRABALHAR?
- Choveu, o que eu posso fazer? Não posso mexer na máquina enquanto chove, você, que é o chefe, devia saber que o motor pode estragar com a água.
- ... - Os olhos dele estavam vermelhos da cor do inferno.
- Tá, quanto eu tenho que receber?
- Quanto tua mãe cobra? Tenho que pagar ela... - Ele sorriu. Eu também, gostei da insolência daquele gordo que fedia a couro suado. Cuspi na barriga dele e sai.