quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Aftas são filhotes do Diabo
Durante certas noites, eu deitava e simplesmente ficava de boca fechada, esperando que Deus entendesse que naquela noite eu não estava disponível. Isso acontecia ou quando eu estava deitado com uma mulher, o que era bem raro, ou quando eu estava bêbado ou chapado, o que era bem comum, ou quando eu estava com aftas. Aftas, para quem não sabe, são machucados na boca que, devido à acidez da saliva, não se cicatrizam. O ácido vai corroendo a pele machucada, abrindo uma cratera na boca. Aftas não são doenças, não podem ser curadas ou transmitidas, mas com certeza podem enlouquecer um filho da puta de cabeça fraca. A dor é constante, até que ela desapareça, sete dias depois de ela aparecer. E a dor constante não nos deixa comer, nem falar, nem sorrir, nem cuspir. Então o melhor a fazer é ficar de boca bem fechada e esperar que o mundo acabe.
E o Diabo sorri orgulhoso, de pernas cruzadas e com um cigarro na boca olha para Deus e diz: Haha, acho que alguém não rezar para o Papai hoje, não é, Papai?
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
domingo, 26 de dezembro de 2010
Reversibilidade
"Ó Anjo de alegria, já viste a desgraça,
Os soluços, o tédio, o remorso, as vergonhas,
E o difuso terror dessas noites medonhas
Que o peito oprimem como um papel que se amassa?
Ó Anjo de alegria, já viste a desgraça?
Ó Anjo de bondade, já viste o rancor,
As mãos em gesto aflito e as lágrimas de fel,
Quando brande a Vingança o seu apelo cruel
E de nossas virtudes torna-se senhor?
Ó Anjo da bondade, já viste o rancor?
Ó Anjo de saúde, já viste os Delírios,
Que, ao longo das paredes do asilo alvadio,
Como exilados vão em passo tardio,
Movendo os lábios e buscando a luz dos círios?
Ó Anjo de saúde, já viste os Delírios?
Ó Anjo de beleza, as rugas já não viste,
Não viste o medo da velhice e este suplício
De ler esfíngico pavor do sacrifício
No olhar que outrora no saciou a gula triste?
Ó Anjo da beleza, as rugas já não viste?
Ó Anjo de ventura e júbilo e clarões,
Davi da morte se teria levantado
Sob os eflúvios de teu corpo enfeitiçado;
Mas a ti só imploro as tuas orações,
Ó Anjo de ventura e júbilo e clarões!"
Charles Baudelaire
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Vizinha
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Sonho
A beleza da menina contagiou o coração daquele homem. Estranhamente, ele se desesperou, sentiu medo, sentiu frio, sentiu que poderia perdê-la a qualquer instânte. Nesse medo, beijou a testa da garota, beijou as faces, beijou os lábios, beijou o nariz, beijou até cansar os músculos da boca. Ela, adormecida, não moveu um cílio, muito menos o corpo, se fazia de Bela Adormecida aos beijos do plebeu. Coitada, ela que esperava um príncipe, foi ter na cama um sujeito qualquer. Aos meus olhos o sujeito não era de todo ruim, até acho que você, leitor, gostaria de conversar com o sujeito, imagino que até eu gostaria, pois enfim, não era um príncipe, mas de que serviriam os bilhões de homens do mundo se os bons sujeitos fossem só os príncipes?
Quando o homem se deu por si ficou perplexo. Não sabia o que dera nele, perguntava-se por qual motivo estava nú, perguntava por qual motivo estava beijando desesperadamente a face da bela moça, que agora não tinha mais a beleza dos filmes, mas ainda sim era bonita, perguntava que fim dera aquele sentimento seguro que era se ter sozinho, acompanhado dele mesmo. Pensou em procurar as roupas do lado esquerdo da cama, apanhar os pertences na cabeceira direita, em fugir dali, fingir que ele não sentira nada mais que uma felicidade decrépita por ter uma bela moça ao seu lado.
Pois ele não fez nada. Acho que esqueceu dos dois pânicos que teve, primeiro do sentimento de proteção que tinha com a garota, segundo do sentimento de medo que tinha da menina. Esquecido ou não, fez que não pensou em nada. Acabou por apertar ela mais perto do corpo, já que o vão dos seios dela permitia a entrada de uma corrente gélida de ar matutino que esfriva as pernas dos dois, puxou o cobertor de lã vermelha até o pescoço, temendo que o colo dela estivesse tão frio quanto os ombros, fechou os olhos e se pôs a sonhar, como se aquele mesmo fosse o sonho.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Cena de amor, Ato XIX
- Ele não me atende... - Ela estava completamente bêbada. Eu, sóbrio. - Acho que ele não gosta mais de mim.
Pus a mão na coxa dela, eu sorria enquanto ela se lamentava. Os seios dela estavam suados e brilhavam à luz da rua. Ela tirou a minha mão da coxa dela, sorriu para mim, um sorriso amigável. Os pêlos dela eram ralos, bem curtos e charmosos. Os lábios carnudos. Talvez fora a mais bela mulher que já vira. Ela segurou a minha mão, ainda olhando para o telefone.
- Ele não gosta mais de mim, né?
- Você quer que ele goste?
- Quero.
- Por quê?
- Carência.
- Eu te amo.
- Ama?
- De certo modo, amo.
- Não serve.
- Por quê?
- Tem de ser amor completo e verdadeiro.
- Pra quê?
- Pra acabar a minha carência.
- Que besteira. - A beijei longamente, beijava seu pescoço e seus seios. Ela suspirava.
O telefone tocou, ela sorriu lindamente.
- Oi, amor! É, você não me atende! Tá, já vou praí, o Thomas me leva. Tudo bem, te amo!
- Pois é, ele ligou...
- Você me leva lá?
- Levo.
domingo, 12 de dezembro de 2010
Alguém, algum dia, fará uma loucura por você
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Depressão
Thomas Verkitsch, em O Elefante Branco ou O Imperador de Esmolas
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Catastrofe e a cura
Senão vou sentir a tua falta quando sentir um cheiro parecido com o teu.
Sentir saudade de uma boca que eu mal toquei.
Sentir amor por alguém que nunca amei.
Mas eu vou continuar sendo legal.
E eu vou continuar pensando em você, mesmo se você esquecer de mim.
Não é amor, é um coração batendo bem alto e bem forte.
Não se preocupe, você pode viver a sua vida.
Eu vou continuar ouvindo as músicas que me lembram de você.
E vou andar pelos mesmos lugares que andamos.
E vou encostar na mesma parede que te beijei.
Não é difícil, o tempo passa e das melhores memórias só sobram fragmentos.
Estou bem perto de te esquecer.
Só peço que, quando nos vermos de novo,
Você não me beije, pois eu não quero viver
Esse caos mais uma vez.