Toda noite, logo que deitava a cabeça no travesseiro, depois de ter escovado os dentes, tirado as minhas lentes de contato e mijado, necessariamente nessa ordem, eu rezava. Não era um sujeito religioso, um dia fui, mas eu ainda rezava. Acho que eu sentia que havia algo mais na vida que acordar, mijar, tomar banho, trabalhar, comer, transar, beber e dormir. Sempre acreditei em sonhos e em espíritos e no ódio, mas não no amor, os sentimentos podem ser traumatizantes e frustrantes de vez em quando.
Durante certas noites, eu deitava e simplesmente ficava de boca fechada, esperando que Deus entendesse que naquela noite eu não estava disponível. Isso acontecia ou quando eu estava deitado com uma mulher, o que era bem raro, ou quando eu estava bêbado ou chapado, o que era bem comum, ou quando eu estava com aftas. Aftas, para quem não sabe, são machucados na boca que, devido à acidez da saliva, não se cicatrizam. O ácido vai corroendo a pele machucada, abrindo uma cratera na boca. Aftas não são doenças, não podem ser curadas ou transmitidas, mas com certeza podem enlouquecer um filho da puta de cabeça fraca. A dor é constante, até que ela desapareça, sete dias depois de ela aparecer. E a dor constante não nos deixa comer, nem falar, nem sorrir, nem cuspir. Então o melhor a fazer é ficar de boca bem fechada e esperar que o mundo acabe.
E o Diabo sorri orgulhoso, de pernas cruzadas e com um cigarro na boca olha para Deus e diz: Haha, acho que alguém não rezar para o Papai hoje, não é, Papai?