terça-feira, 23 de agosto de 2011

Platão

Aos poucos ela ia deixando de ser uma memória e ia se transformando numa entidade sentimental. O meu coração, virgem de amor ou sofrimento ou vivência em qualquer quesito referente à experiência, batia forte quando eu pensava na pele branca e quente dela. Mas eu ia, pouco a pouco, esquecendo que ela sorria e sentia e vivia e que ela era um ser humano como muita gente que atravessa as ruas escuras da cidade. Me lembrava dos nossos beijos com cheiro de sexo e do nosso sexo com cheiro de beijo.
Ela havia se tornado uma entidade e meu peito disparava ao lembrar dos nossos momentos no quarto escuro. E de repente eu estava inventando diálogos e situações e lugares. Na minha cabeça, ela me amava, assim como eu a amava. Uma entidade criada por mim. Mais uma personagem que saia da minha imaginação e nós nos amávamos mais do que qualquer casal já se amou e nosso sexo era melhor que qualquer um podia tentar fazer.
Ela não era mais um ser humano que eu esbarrava nas esquinas e nas praças, agora ela era eu, a minha melhor parte. E ia deixando de existir como pessoa para existir como ideal.

Ontem a noite, ela me ligou: Thomas, faz tanto tempo que não nos vemos! Vamos nos encontrar? Ela parecia feliz e eu fiquei tentado em vê-la, mas eu não sabia como dizer a ela que eu amava outra. Eu estava completamente apaixonado por ela, mas a que morava dentro de mim, não a que estava do outro lado da linha telefônica. Então lhe disse que tinha compromissos e que o futuro reservava um Thomas ocupadíssimo. Ela não respondeu triste, nem feliz, nem indiferente. Olhei para ela, a minha ela, sorri e disse: Ninguém vai ficar entre nós, meu amor.
Fechei os olhos e nos beijávamos sob uma árvore, perto de um lago, longe de tudo.