é curiosa a sensação de que a poesia acalma a alma
e se fosse verdade
eu mesmo teria a alma pura e calma
porque aqui tudo funciona em estrofes
o tempo como estrofe
uma atrás da outra
que a gente lê e relê
buscando novos significados
pra experiências viciadas
porque o poeta é viciado em seus próprios versos
eles vem prontos
como se estivessem preparados
pra se jogar em espaço disponível
e se fazerem letra e palavra e oração e significado
como se estivesse guardada
todo esse tempo
só que ao ler outras poesias do poeta
as palavras estão lá
as mesmas palavras
o mesmo ritmo
o mesmo jeito de se criar poesia
o mesmo jeito de todas as vezes tentar tirar isso de dentro
como se fosse catarro preso
que se pigarreia
e cospe
e pigarreia
e cospe
num processo infindável e inútil
o catarro preso na alma
a palavra que não faz nada senão estar presente
a palavra que a gente finge que cura
mas se a poesia fosse a cura
seria eu mesmo um médico
ou talvez um exímio pedaço de saúde que anda por aí e corre e vive e vibra
não há saúde nesse pedaço de carne
e eu não ando
nem corro
nem vibro
apenas trato de dividir o tempo em estrofe
e inventar novas palavras
pra me desconectar de tudo que sou eu mesmo
porque tudo que a gente quer
é mudar
sempre pra melhor
ninguém espera mudar pra pior
mas as pessoas mudam
a maturidade não vem como um depósito sagrado mensal
que não falha nem sob as maiores crises
que nos faz mais seguros da vida sobre a terra
mas vai e vem como a própria conta do banco
que uma hora ou outra ultrapassa o significado de vazia
e se torna muito pior do que a nulidade
a divida de ser humano
com outros seres humanos
pode ser enorme
de modo a isso nunca ser pago
e como dívida comum
se torna ódio ou raiva
e logo nós
humanos
estamos presos nesses contratos
monetizados do que é certo
e é errado
a felicidade segue o mesmo ritmo
um ritmo arritmado de ups and downs
e a eficiência de o amanhã ser tão misterioso quanto
o futuro distante
daqui 100 anos não quero estar vivo
porque esse sobe e desce de extratos de vida
bem espremidos em ocasiões aparentemente
singulares
não passam de uma mesmice constante
e de novo eu
escrevendo as mesmas palavras
e as mesmas ideias
uma coisa que não sai do lugar
mas que reclama em si própria
essa monotonia e esse debater incontrolado
de tentar mover e ser movido
sentir e ser sentido
a solidão corrói como todas as outras coisas
o ar corrói e tudo parece vermelho
vermelho ferrugem da cor dos meus olhos cansados
e de todo esse vai e vem e vai e vem e esse monte de Es voltando aqui
dizendo que sou isso
um balbuciar sem fim
uma enrolação sem sentido
um futuro aleatório
no qual o destino
não é mais que
o cotidiano inseguro