Bêbado numa terça-feira à tarde. O mundo já tinha acabado, então tudo bem acabar bêbado. Acho que foi assim que eu pensei? Não, eu só estava horrível como nunca. Pouco tempo antes, havia tirado uma soneca sem querer. Deitei na cama para ouvir e acabei paralisado num inferno sem fim. Sem fome, sem sono, com dor. E dormi. E sonhei. E acordei. Com fome. E sem força, dormi. E me revirei. E dormi. Até levantar e finalmente minha cabeça tremer pra cima e pra baixo involuntariamente. Num constante sim sem fim. Sem sentido. Com um leve tom de desespero. Aí decidi que ia comer. Já passava do meio dia há algum tempo. E dali vão procrastinações que me levam a finalmente cozinhar. E cozinhar, por que não com uma cervejinha? Assim que eu fiquei bêbado numa terça-feira de tarde. Eu só ia cozinhar péssimo. Nada demais. Era só o fim do mundo e eu acabei ficando bêbado.
Eu entendi um pouco mais de mim. Eu estou muito preocupado com o futuro. Não preocupado com temor. Mas preocupado com ansiedade. Ansioso pra que ele venha logo e me mostre tudo o que há nele. De repente eu entendo que o passado é tudo o que temos. O futuro são partículas de anseios. E o presente é esse meio-termo superficial onde há uma constante guerra entre manter as coisas como o passado comanda e o paradigma do futuro que nunca se apresenta. O futuro é segurado pelo presente. O passado é segurado pelo presente. E eu sinto que só o presente é uma jaula. O presente me prende.
Há liberdade no passado. Podemos viajar em todas as eras que a humanidade já se deu o trabalho de traçar. No fundo, são perspectivas que se tornam narrações. A História, com H maiúsculo, não passa de histórias coletivamente bem aceitas. Histórias, com h minúsculo, que contam e recontam como nós humanos viemos parar nesse ponto singular no espaço e tempo.
Há liberdade no futuro. Imagináveis e inimagináveis projetos de possibilidades para um tempo que, efetivamente, nenhum de nós irá viver. Há quem acredite que o futuro se baseia em sonhos. Sonhos são futuro ilegítimos pessoais. O futuro não depende de pessoalidades. Embora algumas pessoas tem poderes maiores sobre o que acontecerá nele. Eu imagino, eu vejo, eu anseio. Eu tenho as minhas vontades e desejos. Nenhum deles é sonho. E muitos deles falam de futuro. Futuro distante. Milhões de anos lá na frente. Longe, mas muito longe de mim. Longe de tudo que nós conhecemos. Longe de tudo que nós imaginamos. Porque o futuro é que nem o passado, por um lado tem fim, neste, ou começo, naquele, mas na outra ponta é infinito.
Há liberdade no infinito e apenas no infinito.
O futuro não tem História, mas ele só acontece por causa dela. Não há futuro sem História. Não há História sem presente. Não há futuro sem presente. Mas no presente, não há liberdade. Há uma constrição contínua do que podemos ser, o que podemos fazer, o que aconteceu e o que acontecerá. Há pouca imaginação disruptiva, há pouca surpresa. E nesse universo pouco surpreendente: eu existo.
Eu entendi que não estou preocupado comigo. Eu não estou preocupado com a humanidade. Eu não estou preocupado com a verdade. Estou preocupado com o que acontece. The big picture. Nada mais que a big picture. E estou preso porque nunca verei isso tudo. Com a impressão de que eu fico preso nesse lugar que o passado segura o futuro. Nada acontece porque há uma correia, um freio, um limitante. Como se o presente fosse um copo cheio de passado e o futuro esparramasse sobre, e passado e futuro se misturassem e transbordassem o copo. Num ciclo sem fim. Passado e futuro se misturando e transbordando essa mistura. Perdendo oportunidades e a nossa História aos poucos.
Eu me sinto fora do tempo. Anos há frente, não muitos. Todos os meus pensamentos e minhas ações rondam esse futuro próximo. Eu não consigo me ater ao presente. No presente eu fico preso no passado. No presente, meus genes são passado. Eles me destroem. Meus genes odeiam o meu corpo. Meu passado odeia o meu corpo. Eu odeio o meu corpo. E eu havia escrito, antes da edição, que "sem em nenhum momento odiar o meu passado". Eu sei que é mentira. Eu odeio o presente. O presente me prende. O presente me ofende. O presente me reduz. O presente me deixa tão pequeno que eu tenho consciência de que sou um merda. O presente é a minha camisa de força enquanto loucamente almejo o futuro. O futuro que eu nunca verei. O futuro que vem lá na frente, bem depois dos meus pensamentos e minhas ações.
Eu não me preocupo comigo. Eu me preocupo com o futuro. A liberdade do futuro. Será que serão livres? Sejam as vidas que sejam, humanos ou não. Quem vai sobreviver à essa catástrofe? Eu não, tenho certeza. Humanos ou não, eu imagino.
O que sobra sou eu, preso nesse corpo bêbado e definhante.