segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Ela mesmo

das minhas mãos
surgiam palavras
e como um mago
eu inventava um mundo

os meus olhos tortos
viviam seu jogo de adivinhação
e por todas as vezes que
fui, agora fico

sentindo na pele quente
o sereno frio às quatro da tarde
criação de um desejo impulsivo
de viver o depois antes do agora

a mente fora de mim
porque no espelho
vejo casca e máscara
e aqui dentro, sucumbo

debato
remexo
tremo
e aperto as mandíbulas

eu sou o noia
vivendo de paranoias
e de paraquedas
caio devagar

falo sozinho
escrevo essas palavras

nada significa
tudo é morte
e a morte é linda
como os periquitos contentes
que giram e pousam
na árvore frondosa
de um lugar
que jamais
vai deixar de existir

porque algumas coisas
nunca vão acabar
e outras já se foram
e nada disso
que minhas mãos criam
faz algum sentido

só a minha cabeça
apoiada na cadeira
e meus dedos dançantes
sem propósito
ou fim
só isso
que vai indo
mais pra baixo
e mais longo
como a vida
ela mesma

que vai indo
mais pra baixo
e mais longa
sem fim
sem morte
sem suicídio
sem eutanásia
sem acidente

mas um café da tarde
com bolo quente
uma noite bem dormida
com a gatinha esquentando as pernas suadas
um sonho
que se apega
em realidades
que jamais
virão
ver a vida

ela mesma
que minhas mãos
não conseguem
inventar