quatro e meia e o dia não tinha muito bem começado
há no corpo algo de extraordinário
uma tonelada um peso um desejo
desejo de fim de morte de nada
não numa qualidade suicida e depressiva
mas numa latente vontade de acabar
a vontade do corpo
não minha
eu sigo esperando
porque ali na frente
essa tonelada passa
e por milagre não há dor
droga é milagre no século vinte e um
quatro e meia e o dia não começou
dor e dor e dor e minha cabeça fica
se lembrando duma questão que sempre esteve aqui
o que havia aqui?
porque o que há é degradante
e eu me seguro em degradar
o que já está degradado
não há motivo para chutar
o gato morto
humilhar o humilhado
e exaltar os defeitos de si
há sim uma espécie de condolescência
como se me visse em terceira pessoa
e meus pêsames, meu amigo
vida que segue
e luto que fica
mas exatamente
o que havia aqui?
escrevi com todas as letras
onde eu me perdi?
e com essas palavras
me encontrei olhando pra
essas letras
meus punhos e mãos doendo
como se eu tivesse escrito
uma longa redação
e olhando pra essas letras
eu me achei em frente ao meu teclado
olhando para o meu monitor
sentado na minha cadeira
fones de ouvido tapando o mundo lá fora
sem música
só os ruídos abafados da cidade
me encontrei
pontualmente
espacialmente
singularmente
sem saber
quem eu sou de verdade
e
onde
eu
me
perdi.