solta os dedos
e deixa dançarem
porque alguém precisa dançar
nem os tímpanos dançam mais
o silêncio não existe
ficam os sons do mundo
mas com eles
a gente dança outro tipo
de dança
deixa que façam o que fazem melhor
é que outra hora achei que eram bons pra outra
coisa
duvido muito
que possam fazer ao menos
isto
a dança
dedos
pra lá
e pra cá
que te amam e caem
sempre caem
e sobem e descem
numa dança que pouco
faz
sentido
é só como eu aprendi a
viver
com amor
e
sem cerveja
mas quando tínhamos cerveja
dançávamos
mais
e todo o ódio gerado pelo glúten
vazava por eles
os dedos
com uma agilidade
despudorada
quase inconsciente
de tão rústico
rude
ríspido
escroto
muito
escroto
vai ver
a cerveja foi por um bem
maior
a paz no mundo
porque ele se autodestrói
sem que eu precise tirar meu rosto
pra cidade
minha vida em uma caverna
quente como a minha pele
suja como a minha mente
e os dedos ficam calmos
e eu nem tenho vergonha em dizer
que parei de
beber
acho que nunca fui bonito
acabei dando muito valor pra coisas que hoje
não importam
me importa mais do mesmo
o meu umbigo
cheio de pés de
alface
"eu precisava de cocaína para acordar"
eu precisava dormir
toda hora
porque esse sono todo já teve muitos nomes
essa vida já teve muitos significados
eu já expliquei tudo
e mudei as explicações
pois tudo
precisa
ser sempre lógico
fico mais lógico
mais lógico
muito lógico
tudo é lógica
eu não acredito no meu poder
poder
é opressão
e eu não estou interessado em
oprimir
me oprimo
guardando toda essa
força
pra quando
algo fizer sentido
porque tudo é lógico
mas raramente faz sentido
os dedos batem
teclas
e é lógico
as palavras
tudo sobre palavras
porque elas definem o indefinível
houve uma época em que eu
simplesmente acreditava que as
coisas existiam independentemente
das palavras
portanto as coisas seriam
nomeadas por diferentes
palavras
uma coisa com vários nomes
em várias línguas
que se interceptam e se confundem e se mesclam
a palavra perdia sua importância
pois seria vulgar
comum
popular
mas a palavra tem poder
solto os dedos
e eles dançam
não é meu poder
eu não tenho poderes
é o poder da palavra
de espremer
tudo o que ficou aqui
as histórias
e as memórias
e os sonhos
que são feitos de trigo
recheados de doce de leite
e creme
e nutella
e sabores tão doces quanto a própria farsa de existir