quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O imortal

Chegou aos cinquenta relativamente saudável. Os pulmões, principalmente o direito (sabe lá Deus por que um pior do que o outro), não funcionavam tão bem, mas nada mais natural, afinal era fumante e aspirava diariamente toda a poluição da cidade. O fígado não doía, isso era bom, afinal dor no fígado significa que é tarde demais, então ele ainda podia beber a sagrada cerveja do final de semana e os ocasionais porres de vez em quando. O coração fibrilava mais do que batia devido aos excessos de emoções, amores, dores, horrores, exctasy e cocaína, mas não precisava se preocupar tão cedo com isso. Os olhos não viam tão bem quanto outrora viram, ele já levava o jornal lá longe para lê-lo, mas isso já fazia há muito tempo, bem antes de completar os cinquenta. Só a próstata que ele não sabia como ia, mas isso era questão de hombridade, jamais se permitiria fazer um exame de próstata.
- Doutor, quanto tempo tenho?
- Que pergunta. Sabe lá Deus quanto tempo tem!
- Quero números, doutor. Estou preso a essa vida, então preciso vivê-la, mas pra isso preciso saber quanto tempo tenho.
- Não sou eu que posso dizer quanto tempo tem. Tudo pode acontecer!
- Eu não quero morrer, doutor.
- Você tem cinquenta anos, homem. Olhando pra você, vejo que tem muito tempo pela frente, quem sabe 20 ou 30 anos.
- Eu quero mais.
- Quantos anos mais?
- Cem, duzentos. Quanto der. - O médico olhou para ele espantado.
- Ninguém vive duzentos anos...
- Doutor, eu sei que existe tecnologia o suficiente pra me fazer imortal. Só quero saber quanto custa isso...
- Isso não passa de ficção científica. As pessoas morrem, as células morrem, consequentemente os órgãos, você morre.
- Então não adianta trocarmos meus órgãos? Meu pulmão, meu fígado, meu coração. Minha próstata!
- Não, eles não precisam ser trocados.
- Claro que precisam. Se eu tiver órgãos novos, posso viver mais alguns anos.
- De que adianta trocar uns órgãos se o resto vai envelhecer de qualquer jeito? Os teus músculos, as tuas veias, o teu cérebro.
- E se colocarmos o meu cérebro no corpo de um garoto? - O médico olhou mais espantado.
- Isso não faz nenhum sentido!
- Talvez eu esteja no médico errado. Bom, muito obrigado, doutor.
- Sinta-se a vontade. Até a próxima. - Abriu a porta para o paciente.
- É, talvez daqui a uns cem anos, se você ainda estiver aqui. - Sorriu e apertou a mão do médico.

O médico sentou-se na cadeira e chamou sua secretária pelo telefone.
- Quantos pacientes temos ainda?
- Quatro, doutor.
- Tem alguém na sala de espera?
- Não. O próximo está marcado para daqui 20 minutos.
- Desmarque todos. Não estou me sentindo bem.
- Ok.

Pegou as chaves do carro e passou em casa para pegar a bicicleta. Precisava pensar. Se todos os homens fossem imortais, onde caberiam as pessoas? Quem teria tal previlégio? Somente os ricos ou toda a população mundial? Até onde os empregos, as casas, as ruas, aguentariam o nascimento de novos seres imortais?

Estacionou a bicicleta e sentou-se num banco a beira mar para telefonar para seu sócio.
- Cara, precisamos parar com isso.
- De novo?
- Hoje veio outro, pedindo a imortalidade.
- E o que você disse a ele?
- Que era impossível.
- Ah, você percebe que me deve dinheiro, não é mesmo? Quanto a gente perdeu nesse sujeito? Você é um idiota.
- Eu não quero mais fazer isso.
- Eu só não entendo por que você precisa pensar em desistir a cada 5 ou 6 anos. Desse jeito, vou passar a eternidade tentando te convencer que o dinheiro não compra a felicidade, mas sim a saúde.
- O cara de hoje deu a ideia de colocarmos o cérebro dele no corpo de um jovem. - Riu, tentando se livrar do nervosismo.
- As pessoas assistem muita televisão. - Riu o sócio.
- Bom, eu posso ligar pra ele de novo, dizer o preço.
- Nah, deixa quieto. Não precisamos de um cara que acha que pode ser trocado por um jovem. Uma coisa é querer ser imortal, outra é ser egoísta o suficiente a ponto de crer que pode acabar com a vida de um garoto afim de viver um pouco mais.
- Obrigado.
- De nada. Acredite, outros virão. E temos bastante tempo pra salvar vidas e ocasionalmente torná-las eternas. - Desligaram o telefone e ele voltou a pedalar. Já fazia o mesmo caminho há 35 anos. Logo estava na hora de se mudar de cidade de novo. Salvar vidas em outro lugar.