segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Khaled Hosseini

"É claro que casar com uma poeta era uma coisa, mas ter um filho que preferia meter a cara em livros de poesia a ir caçar... bem, não era exatamente o que baba tinha imaginado, suponho eu. Um homem de verdade não lê poesia, e Deus permita que nunca venha a escrever versos! Homens de verdade - meninos de verdade - jogam futebol, exatamente como meu pai fazia quando era jovem. Isso sim, era algo digno de paixão."
O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini

Cronos

Qual a vantagem de antecipar o amanhã?
Futuro: uma boa desculpa para o pasado.
Pra mim, é Hoje.
Estático, parado, nada aconteceu, nada acontecerá.
Está tudo aqui, só não conseguimos ver ainda,
Muito menos sentir.

Egoísmo

Uma tristeza sempre morou dentro do meu peito. Eu sempre fui diferente de todo o resto. E sempre odiei o resto todo. Mas, ultimamente, a tristeza tem me fodido mais do que me fodia antes. Outrora, um desgosto, um gosto ruim na boca que me fazia escarrar, pensando naqueles filhos da puta que queriam escarrar em mim. Agora é pior. Me dói o peito. Fico louco de vontade de chorar. Ontem, ou anteontem, chorei. Porra, foi a segunda vez em quatro dias que eu chorei pelo mesmo motivo. Talvez o mais tolo dos motivos. Mas foi o meu motivo: o ser humano.
Tenho visto muita gente morrer. Tenho visto muito sofrimento. A gente cresce e vai percebendo que a porra da vida é foda. Quando somos crianças, achamos que a morte é personagem de quadrinhos da Turma da Mônica, a morte é de mentira e tudo o que sabemos é que amanhã é outro dia. A gente cresce e, na maioria das vezes, vemos os bons morrerem. Certa vez uma dupla de porcos morreram, uns caras que eu não gostava. Eu disse: que bom que morreram. É um pensamento pútrefe que me deixa envergonhado. Aposto que os pais deles choraram. Aposto que os amigos deles choraram. Mas eram maus, como a maioria dos homens. Os maus merecem morrer, mas nunca morrem.
Os bons morrem. Os bons sofrem. Os bons não nasceram para viver a vida. Eu não nasci para viver essa bosta. E não, eu não sou nem um pouco bom. Minha podridão é comparável à podridão dos filhos da puta que morreram. Eu merecia morrer. Eu queria morrer. Acordar, para mim, é tão complicado. Acordar e comer e escovar os dentes e viver. Tanta merda desnecessária. Tanto sofrimento desnecessário. Tanta gente. Eu odeio gente. Bando de egoístas hipócritas. Bando de bastardos orgulhosos das atitudes e escolhas mecânicas. Bando de macacos de circo seguindo um cronograma pré-planejado. Eu odeio gente.
Eu estudo numa das melhores escolas de engenharia do Brasil. Eu falo inglês fluente. Estou estudando francês. Eu faço academia, vou em festas e tenho um computador. Eu ouço muita música. Eu faço muito sexo. Eu sou um cara, como muitos outros caras, que vive uma vida honorável. Uma vida que muita gente merecia viver, mas precisa catar lixo ou pedir esmola. Eu tenho uma vida boa e sem tristezas. Mas ver o mundo inteiro acabando em volta de mim, já é motivo. Não se trata de um comunista que quer igualdade, nem dum naturalista que não usa sacolas plásticas. Se trata de um egoísta que cansou de ver o mundo sofrer. Dum egoísta que cansou de sofrer pelo mundo todo.

Mulher Maravilha

"Todo homem acredita que pode domar uma ninfo, mas isso só tem como resultado a sepultura - a do homem."
Charles Bukowski

Cheguei a uma breve conclusão: a mulher perfeita é aquela que voa. Pelo menos consigo imaginar a Mulher Maravilha, depois de salvar o mundo, sedenta por sexo com aqueles enormes seios tocando o meu peito. Uma vez, há algum tempo atrás, namorei uma mulher que qualquer cara ia achar perfeita. Ela era morena, cintura fina, seios fartos, bundão. Uma puta de uma gostosa. Seus olhos, sua boca, seu cabelo, toda linda, toda perfeita. A mulher perfeita, o cu. Era burra como uma porta; soava como ninfomaniaca, mas o sexo, para ela, soava como um passatempo, como assistir a novela das oito ou jogar paciência. Tenha paciência, mulher. Transar não precisa ser mágico, nunca precisou. Mas transar é alguma coisa mais sagrada que a própria reza. Imperfeita que é o diabo. Maravilhosamente imperfeita. Burra. Que merda. Joguei fora, como se jogam as gordas, as fedidas e as chatas.
E a mulher perfeita não é ninfomaniaca, como todos os homens acham que é. Algo que eu não desejo para nenhum homem: uma ninfomaniaca. A ninfo acaba te destruindo, te sugando até os ossos. A minha não era perfeita, mas era magra, tinha um puta dum rabo, mas era ninfo. Sabe, um dia eu achei que eu era ninfomaniaco. Eu achava que eu era viciado em sexo, que eu realmente precisava de sexo. Isso acontece com a molecada que acha que transa bastante. É que eu sempre transei mais do que os meus amigos. Sempre fodi bastante. Bastante em termos. A real é que a ninfo me deixou meio desnorteado, com a cabeça do pau latejando e uma dúvida: será que sou viado? Parece que você nunca é homem o suficiente para uma ninfomaniaca. Ela sempre tá ali para te foder, em todos os sentidos, tanto te comer como te deixar para baixo. Porra, um homem precisa de paz.
A mulher perfeita não é gostosa, muito menos ninfomaniaca. Não é uma doce virgem, afinal ela não transa, caralho. A mulher perfeita é a que voa. A mulher perfeita é uma Maravilha. Que merda, é isso que me desanima. Ou você acha que eu tenho chances com uma gostosa voadora?

Prostituição literária

De novo sentado na frente do computador. De novo nauseado de tanto beber vodka, whisky, tequila, cerveja, na noite interior. De novo de ressaca. Sempre de ressaca. Os bilhões de remédios jogados sobre a minha mesa. Todos que eu deveria tomar. Mas, porra, foda-se a minha saúde. Engraçado, entre os comprimidos, ao lado do celular, um cigarro de maconha, um pouco na frente uma caneca suja fedendo a cerveja velha. Saúde, meus queridos. A porra da saúde batendo na minha cabeça ressaqueada. De novo querendo escrever, como todos os dias. Escrever é tão complicado, um trabalho tão árduo. Não sei como todo mundo escreve. Afinal, o mundo inteiro é escritor. E todo mundo escreve bem. É tão fácil. Um mundo cheio de elogios sobre uma subliteratura desprezível. E esses escritores de merda ganham dinheiro para escrever merda. Nessas horas que percebo que não sou bom escritor. Acho que nunca ia ganhar um puto com a porra da minha escrita. Puto. Em compensação, acho que eu ganharia uns trocados como puto. Eu sou um puto. Um puto que dá o seu corpo. Que elas me comam quando quiserem. É tudo sobre o desejo feminino. É tudo sobre uma boceta molhada na ponta da minha língua. Um puto apaixonado pela vulva. Um puto que nunca se apaixona nem escreve nada bom. Porra, que vida.

Acredite em mim, o fogo se foi

Reza, reza pela tua alma enquanto o mundo lá fora queima de dentro para fora. Sangrando pelos seus machucados mal cicatrizados. Chorando pelos olhos dos 6,8 bilhões fodidos. Eu nunca choro. Nunca. Mas, porra, chega uma hora em que o cansaço explode dentro do peito e o único jeito de sobreviver é deixando a lágrima salgada cair no rosto. Eu nunca choro. Preferiria morrer logo. O cansaço tá explodindo na porra do meu peito. Quero é dormir para sempre. Um fim. Escuro. Um ponto final. Chega de esperança, chega de Deus, chega de amor. Chega de perder e ganhar. Chega dessa vida em que nada é para sempre. Merda, eu não quero chorar. Merda. As vezes é difícil acreditar nas coisas, em nós mesmos. E quando deixamos de nos acreditar, significa que finalmente a bosta chegou no nariz e vamos todos morrer afogados por merda. Reza por um Deus que nos esqueceu há 2000 anos nos deixando um pau de borracha de 2000 cm para comer os nossos rabos. Reza numa Igreja que tá te comendo o cu enquanto você gasta dez por cento do teu salário medíocre. Reza pela tua alma, que foi chupada como um pinto mole chupado por uma puta velha desdentada. Porra, chega de esperança. Chega de ter medo. Chega de viver essa porra toda.

Mãe, te amo

Do Dicionário Silveira Bueno
amor: s. m. Afeição profunda; objeto dessa afeição; conjunto de fenômenos cerebrais e afetivos que constituem o instinto sexual; afeto a pessoas ou coisas; paixão; entusiasmo.
afeto: s. m. Afeição; amizade, simpatia; paixão; adj. amigo; afeiçoado.
paixão: s. f. Sentimento excessivo; afeto violento; amor ardente; entusiasmo; grande mágoa; cólera; objeto de afeição intensa; parcialidade; sofrimento prolongado; o martírio de Cristo.

Como é fácil amar. Olhos e bocas e mãos se entrelaçando como uma trepadeira. Amar é dar uma flor para uma mulher nua e suada, enquanto a mãe dela está em casa com o coração partido de saudades. É fácil amar os estranhos, mas ninguém mais ama os pais. Grande consideração. E aquela mulher nua e suada vai mudar, ela vai embora como todas as outras já se foram. E qualquer dias desses o amor será outra flor para outra mulher nua, desta vez não suada, pois o frio constrói o sentimento fugáz e imponente: o amor sob cobertores, a pele quente sob o ar congelado. O amor reciclável e apaixonado. Um afeto incoerente e animalesco. As mães não amam. As mães não são apaixonadas e não sentem afeto. As mães não estão nuas e não nos beijam. As mães estão no escuro, sozinhas. Sozinhas como todo mundo dessa porra desse mundo. Um mundo cheio de amor, de ódio e de solidão.

Oi, amor

- Oi, amor.
- Ah...
Ela me acordou acariciando meu rosto. Minha ressaca era tanta que eu estava prestes a vomitar ali mesmo, na nossa cama. Minha cabeça sendo marteladas pelo meu coração batendo. Eu precisava vomitar.
- Você tá bem?
- Puta... Acho que eu vou morrer...
- A ressaca tá braba?
- Braba é pouco!
- Eu também to ruim. Vomite, você vai ficar melhor.
- Odeio vomitar.
- Tá, vou pegar um analgésico e um remédio prá você não vomitar.
- Por favor.
Eu adormeci. A melhor receita contra a ressaca é dormir. Eu sei, uma hora você vai acordar e a ressaca vai estar lá. Mas, porra, dormir é uma coisa simplesmente sensacional. A maior invenção do homem foi a cama. É, eu dormi. Ela me acordou de novo, daquele mesmo jeito carinhoso dela. Isso me irritava, as vezes. Ela não podia me acordar com uma chupeta? Ou quem sabe com um tapa na cara? Um balde de água fria, talvez? A real é que ela era meio mole, cheia desses romantismos baratos. E no fim eu tava ficando assim também.
- Oi, amor.
- Ah...
- Tó o teu remédio. A água tá geladíssima, você vai gostar.
- Água, que delícia!
- Eu vou tomar banho. Dorme mais um pouco, daí você toma o teu banho.
E instantâneamente eu dormi. Eu tinha tomado o remédio para a náusea, acabei esquecendo do analgésico. Talvez o dia inteiro tenha passado, ou só 20 minutos.
Lá estava ela, nua e molhada. Com os olhos vermelhos, o pescoço vermelho, as olheiras gigantes avançando às bochechas, como um deserto avançando ao descampado.
- Você tá bem?
- Mais ou menos. Acho que vou dormir.
- Deita aí.
- Vai tomar banho. Estou com fome.
- Ok. Melhore, tá?
E daí sim, o dia inteiro passou. Ou só uns 30 minutos. Cheguei no quarto e lá estava ela. Nua e molhada. Branca como a neve. Gelada como a neve.
- Você tá bem?
Toquei nela, tentei acordá-la, virei-a. E deitada inerte, ela dormia, sem ao menos respirar. Abri os olhos dela e eles estavam fixos no teto, como se conseguissem ver o céu, as núvens, Deus. E os olhos ficaram abertos, libertando uma alma pecadora, porém feliz.
Vomitei no chão. Parecia que o remédio não surtira efeito.
- ACORDA! MEU, LEVANTA! Por favor... acorda... acorda...
E eu desisti. Deitei ao lado dela e esperei a vida passar.

Preconceito

Eu fico meio emputecido quando vejo esse pessoal rotulando os filhos da puta de hoje em dia. Se o cara tem grana, ele é bonito. Se o cara é briguento, é macho. São detalhezinhos esquisitos que dão toda a forma para o conceito do sujeito. Porra, ficam me dizendo que eu sou viadinho, comunista, beberrão, só por ser escritor. Bando de porcos, me julgando por eu cagar pelas mãos umas palavras desprezíveis.

Esses dias estava conversando com uma amiga sobre um corno podre de rico que mora aqui pelas redondezas:
- Ele é maravilhoso, né, Tho?
- Porra, maravilhoso?
- Ele é lindo!
- Ele parece um dedão.
- Como assim?
- Um dedão com cabelo. Olha o cara: orelhas pequenas, pescoço largo, rosto oval. Um dedão com cabelo.
- Idiota. Vocês homens são ridículos com esse machismo.
- Como assim?
- Você não admite que o cara é bonito, admitir que um homem é bonito é coisa de bicha, né?
- Porra, guria, você é ridícula. O filho da puta do teu ex namorado, como é mesmo o nome?
- Ele não era filho da puta, Thomas.
- Não falei isso, minha linda.
- Falou que ele era um filho da puta.
- Não, eu falei que ele É um filho da puta.
- Ai, Thomas. Que implicancia com o cara.
- Tá, foda-se. O filho da puta era bonito. Aquele cara era maravilhoso!
- Haha. Sua bicha. Olha o jeito que você fala dele!
- Meu, vou te estuprar aqui mesmo. Enfim, o cara tem o sorriso maravilhoso, olhos claros, cílios compridos. Até aquele cabelo de fruta dele é lindo, aquele topetinho de filhinho de papai.
- Ai, Thomas, só você. - e riu.

Eu conheço um cara (eu ia falar "tem um amigo meu (...)", mas porra, falar que é amigo é apelação) que é todo macho. Não pode por álcool na boca que já tá louco para dar uma surra em uns caras com cara de otário. Faz bochecho com anti-sépticos bucais com álcool e já quer briga. Ele só bate em cabaço, coisa de cabaço, de covarde. Mas enfim, ele é macho, bate em todo mundo. Briga a torto e a direita. Daí, quando toma soco, fica de xororô, para ver se alguma mulher cuida dele. Nessa de estar sangrando, tasca um beijo na idiota que acha que ele é macho. É o jeito dele de mostrar que é o macho alfa: lutando e beijando a fêmea.
Só que além de macho, o cara tem uma esquisitisse: gosta de se travestir, só por diversão. Uma coisa é a galera se vestir de mulher para sair festar, zoar com a galera, outra coisa é o cara pôr uma peruca loira, batom vermelho e fingir que é mulher. Também gosta de comer traveco, faz isso para o pessoal rir dele. E todo mundo acha o máximo, ele come os travecos e depois bate neles. Maluquice sem tamanho, idiotice sem tamanho.

E no fundo, o fodido sou eu. Escrevendo merda, vivendo de trocados depositados pela mamãe e fugindo de briguinhas de super mercado. Pé rapado, covarde. Feioso viadinho, como a maioria dos otários que se casam, viram pais, se tornam bons avôs e morrem sem nunca ter posto o pau no cu de um outro homem.

Charles Bukowski

"Uma garota tinha saído de um canto na parede e dançava em cima do balcão; não parava de sacudir a calcinha vermelha na minha cara, mas vai ver que era apenas uma conspiração comunista; então não interessava, porra."
Fabulário Geral do Delírio Cotidiano, de Charles Bukowski

Casa comigo?

Eu casaria com uma mulher daquelas. Loira de verdade - porra, é difícil encontrar uma loira de verdade, são todas oxigenadas e tão burras quanto as loiras de verdade - cabelos cacheados. Se tem uma coisa que me excita, são cachos, as vezes acho que sou meio viado por me excitar com belos cabelos. Foda-se. Peitões, uma bundinha redondinha, não tão grande, mas é justo disso que eu gosto: bundas delicadas e pernas finas. Nariz delicado, arrebitado. Ela tinha pose, tinha estilo, toda bem vestida enquanto decorava leis trabalhistas, ou criminais, ou qualquer coisa que estudantes de Direito decoram. Olhei para ela, ela olhou para mim. Naqueles olhos azuis - azuis de verdade, tipo o céu - tinha uma coisa gostosa, que vontade de mergulhar naquela infinidade de sentimento. Eu sorri, ela sorriu amarelo, sem querer sorrir, sabe? Porra, eu queria casar ali mesmo. Levar ela para casa e apresentar para os vinte e quatro primos, para os onze tios, para os avós, para os pais. Transar com ela por horas a fio, sem ver o tempo passar, só secando o sémen de dentro das minhas bolas. Ela sorriu, bem amarelo, mas sorriu. Eu casava com ela, mas ela não casava comigo.

Suicidio

Tudo ia uma merda. A minha vida ia uma merda. Nada do que eu fazia ia prá frente e, mais uma vez, eu estava sozinho. Sozinho no nada, uma merda. Eu era um merda. Tá, tudo sempre foi assim, minha vida sempre estava uma merda. Era tudo uma grande merda havia muito tempo. Que merda.
Olhei para 9mm que eu comprei, mas nunca tinha usado. Aliás, comprei prá me defender, andava com ela pendurada na cintura, daí eu tinha um pau de meio metro, mas ninguém sabia disso. Quando eu tava sem ela, eu era um broxa, um merda. Pois voltemos prá 9. Eu olhei prá ela e decidi que era a hora. Destravei-a, pus em minha boca, o gosto sujo do metal me deixou mais depressivo. Tirei da boca e achei aquele gosto uma merda. Pus embaixo do queixo, apontando pro topo da cabeça, mas logo me perguntei se eu ficaria paraplégico com aquela estupidez toda. Era foda, eu queria morrer, não me machucar.
Deixei a arma na mesa e fiquei encarando-a.
- Que bosta, eu não tenho colhões prá isso. - E fiquei pensando sobre isso. - Porra, ia fazer uma sujeira... Deixa prá lá.
Guardei-a na gaveta e liguei prá uma amiga minha, gorda que é o diabo. Eu também era gordo, então foda-se.
- E daí?
- Thomas?
- É.
- Tudo bem?
- Quero te comer.
- Tá, vem cá.
Desliguei o telefone, peguei o celular, a carteira, dei um gole na vodka que eu deixava na mesa. Olhei para a 9:
- Você fica, sua filha da puta. - Ela queria me matar.
Tirei o coldre da cintura e sai, esquecendo o apartamento destrancado.

Buquê de rosas

- Nossa, que saudade! - Ela me abraçou.
- Pois é, quanto tempo? Cinco, seis meses? - Eu respondi, meio envergonhado com a nova sensação de ser um semi-desconhecido dela.
- Sei lá, tempo o suficiente prá eu ter saudade! - Ela sorriu, eu tambem - E daí, vamos fazer alguma?
- Opa, vamos sim! Se quiser chamar o pessoal... Ia curtir vê-los.
- Então, estava pensando em tomarmos um porre. Só eu e você.
- Putz - Parei para tentar explicar - É que eu parei de beber.
- Caralho! Como assim?
- Sei lá, prá melhorar a qualidade do sexo.
- Porra, mas você bêbado fode tão... melhor... Você realmente fodia quando estava bêbado. Horas intermináveis de suor e desgaste físico, infindáveis orgasmos múltiplos que me deixavam louca por água prá repor os líquidos que eu perdi.
- É que era um combustível; sem álcool até dava, mas não tão bem.
- E agora?
- Agora meu combustível é mais puro, tipo dormir, comer...
- Então tá fodendo melhor?
- Sei lá, é o que dizem.
- Então podemos foder.
- Ai, é que... Então... Também não rola... Mas podemos sair prá jantar.
- Porra, o que aconteceu com o velho Thomas?
- Haha, eu sou o velho Thomas - Senti meu rosto corando, minhas costas suando.
- Que nada, esse novo Thomas sugou o velho Thomas.
- Ah, certas mudanças vem prá melhor.
- Como assim, prá melhor? Você nem quer me comer! Eu engordei?
- Não não, claro que não. Está maravilhosa como sempre! - E de fato era a mais maravilhosa que eu já tinha comido em toda a minha vida.
- Não sente saudade dos meus peitos? - Seus olhos estavam mareados de indignação.
- ... Claro... É... - Não sabia o que responder.
- Você não quer nem ao menos lamber meus peitos? - Baixou o tomara que caia mostrando os seios fartos e durinhos, pequenas rodelas claras desenhavam seus mamilos perfeitos. Os mamilos olhando para mim, eu olhando para eles.
- É que... Puta... Que merda... - Meu pau ia ficando cada vez mais duro, mesmo que eu me sentisse mal por isso.
- Tá, Thomas. Daqui cinco, seis meses a gente se vê, se você voltar a ser homem. - Levantou a blusa.
- É que...
- Bixa imprestável. O que aconteceu? Não bebe, não fode. Ah, vai tomar no meio do seu cu. - Deu as costas para mim e foi embora empinando o mais alto possível o seu rabo espetacular.
- É... Puta, que merda... - O telefone tocou - Desculpa, amor, já já estou chegando. - Entrei no carro, passei na floricultura para comprar rosas e fingi que nada daquilo tinha acontecido.

Acabou o cigarro

Tenho reprovado todos os venenos da minha revolução. Meu ódio pelo mundo, meus rancores, minhas dores, meu eu vencido, cheio de revoltas para gritar. E gritei por dois anos. Gritei tão alto que pude sentir meus pulmões murchos, vazios como a minha revolução toda. As bebidas, os vômitos, os cigarros, os sexos, os infindáveis e imemoráveis (sobretudo imemoráveis) venenos em prol de uma mudança qualquer. Reprovado do verbo provar, não a respeito de não ser aprovado. Mais uma tentativa para, com a cabeça vazia de tristezas ou de felicidades, ter a certeza de estar no caminho certo. E vejo, mais uma vez, que todas essas merdas são plenamente reprováveis, dessa vez do ato de não ser aprovado.

Que mentira, a sua vida é uma mentira, Thomas! Ela gritava babando, uma mistura de baba e lágrima e ódio líquido e corrosivo. E eu não dizia nada, eu não me defendi, minha vida é de fato uma grande duma bosta de uma mentira. Um conto de fadas onde eu sou o príncipe: é isso, algo ou alguém precisa de um herói e é só aí que eu apareço. Na porra da minha história, eu sou o cavalheiro sem nome, gracioso, forte, temeroso, mas sem nome. Eu sou o rosto bonito e a minha vida é uma mentira. Amanda me puxava do meu mundo escuro com a maior força que ela podia, força o suficiente para arrancar meus braços fora, mas insufientes para suprir essa minha insuficiência, minha ineficiência... Deficiência.

A indiferença colada na parede, a infelicidade (não a tristeza, que fique claro) rabiscada na pele, a depressão tomando conta deste protagonista, o anti-herói fracassado. Não vejo mais sentido no gozo dispensável, a mulher como um objeto, como um objetivo. A buceta santificada e a mulher escravizada. Um escarro da boca de um feminista. Maldito feminismo e suas sapatões peludas. A porra do gozo espirrado no lençol sujo. Sujeira limpa, eu dizia, pois o suor feminino é sinônimo de limpeza; suores diferentes, fedores diferentes. Minha velha limpeza sujando a minha mentalidade embriagada. Porra de ressaca. Porra de indiferença infeliz.

Morte

No escuro,
Sem preocupações,
Sem planos,
Sem ninguém.

O Agora como uma Lei inexorável.
O Ontem como um crime delicioso.
Rancor e mágoa de alguém tão bom.
Uma solidão segura, eu seguro.

No escuro, agora.
Como uma ônix preciosa.
Tão forte, tão segura.
Crime contra o inexorável.

Meu peito despreocupado,
Que ontem desejou tanto.
Parado.
Sozinho.

Cigarro

Ela fumava para caralho. Conseguia fumar um cigarro em 4 minutos, quando fazia isso com esse simples intuito. Quando estava conversando, sua velocidade de sugação caia e seus cigarros sobreviviam quase 18 minutos. Era um cigarro após o outro, parecendo uma Maria Fumaça. Seu hálito era repugnante e beijar a boca dela dava a mesma sensação de lamber um cinzeiro. Antes de por o cigarro na boca, ela queimava o seu filtro. Era como uma mania obsessiva: queimar filtros de cigarro. Ela dizia que o cigarro era cortado por vidro, então o filtro e a ponta podiam ter pedacinhos de vidro impregnados. Grande merda, eu pensava. Ela suga veneno para dentro dos pulmões e está preocupada com um fiapo ridículo e exdruchulo de vidro. É como eu tirar a baioneta da minha espingarda. A porra da faquinha da ponta da arma pode machucar pessoas. Puta hipocrisia do caralho, se vai se matar, que ao menos se machuque! Ou vai ficar de viadagem? A morte dramática e lenta, sem uma porra de uma afta na boca causada por um pedaço ridículo de vidro. Aliás, quem diabos inventou essa história escrota de fiapos de vidro em filtro de cigarro? Daqui a pouco vão dizer que camisinhas dificultam a circulação do sangue peniano, então que transem sem camisinha e se fodam com uma maldita AIDS nos seus sangues. Pelo menos eles vão fluir naturalmente, sem nenhuma camisinha para impedir-lhes o fluxo.

Will Self

"Por fim, se enfiaram na pensão e Natasha chupou Miles até ele secar. Debaixo da colcha áspera, ele perguntou se ela o amava. Natasha estremeceu, apesar da malha preta que se recusou a tirar - sentia os arrepios do convalescente. "Claro, bobo", ela disse. Mas realmente ele é que era bobo, claro."
Como vivem os mortos, de Will Self

Batimento

A tua mão se fundindo ao meu peito.
E teu peito pedindo por perdão.
Vazio como o voo de um abutre.
Vazio como estar aqui de novo.
Olhando esta intensa loucura.
Testando meus sentimentos.
Avaliando todo o meu potencial.
Sentindo que meu coração não bate mais.
Enquanto tambores destroem o teu peito.
Nenhuma verdade.
Nenhuma mentira.
Nada de mais.
Além de um coração.

Vaso quebrado

Que experiência escatológica: o retrocesso e o resumo da vida. Grande bosta, fui ver no final das contas. Fiz pouco nesses anos milenares da minha incoerente existência. Esperei tanto de mim, quando pequeno quis ser astrônomo e conhecer o universo inteiro, quis ser veterinário e salvar todos os pobres animais jogados pelas ruas, quis ser rico. E até hoje, tudo o que fiz, foi passar na merda do vestibular. Acho que muita gente já fez isso. Grande coisa, passar no vestibular. E foi tudo o que eu fiz.
Eu queria ter salvo o mundo, ter fechado o meu primeiro milhão aos 20 anos. Queria ter desenvolvido a mediunidade, prá, como um medium, ajudar as pessoas e os espiritos que precisam ser ajudados. Mas não, não fiz nada disso. Não fiz nada por mim, nem por ninguém. Talvez conte o fato que eu amei. Amei e sofri. No fundo, amor é sofrimento. Amei e fui amado. E quem me amou, sofreu. Se valeu a pena? Claro, é tudo sobre a felicidade e sobre o amor. Mas acaba, tudo acaba. Acaba em cinzas como um cigarro sujo de batom pisado numa sarjeta qualquer. A chuva leva o cigarro. E leva o amor e a felicidade. A chuva leva a minha felicidade.
Essa viagem transtornante me trouxe um singular sentimento: vazio. Vazio como a solidão. Vazio como o escuro. Vazio como o frio. Vazio como toda essa dor. E preencho esse vácuo com merdas. Jogo sexo e drogas e música alta e umas mentiras para eu curtir um segundo de paz interior, mas essas merdas também passam. Vazio. Vazio como isso que você lê. Vazio.