segunda-feira, 30 de maio de 2011

Aos covardes

Fico com tanto nojo quando me vejo no espelho e meu cabelo está oleoso e minha barba tem cinco dias e o meu peito e minha barriga estão infestados de pentelhos. Tenho tanto nojo quando me vejo no espelho e vejo um cara que desistiu. Paro de tomar banho, paro de escolher roupas, paro de sonhar, paro de escrever. Eu tenho tanto, mas tanto nojo quando me vejo covarde, como toda a humanidade é. A humanidade que tanto me dá desgosto. Eu me vejo no espelho e estou que nem eles. A ponto de continuar vivendo como um cão medroso, de rabo entre as pernas e submisso à toda merda que o mundo está disposto a jogar nele. Eu odeio covardes e seus papos de bons samaritanos e seus sorrisos maliciosos e suas vidas medíocres. Se mate, eu penso, mas eles sempre vivem sorrindo, dispostos a serem homens e só se foderem como prostitutas de quinta categoria. Putas mal pagas, os covardes. Estão ali pra se foderem gratuitamente. Não me fodam, covardes. Vocês nasceram pra se foder.
E eu tento acordar.
E eu tento me lavar.
Mas essa covardia gruda.
E eu sou mais uma bosta
que o mundo
cagou.

domingo, 22 de maio de 2011

Caju et circense

O amor é uma palhaçada, Amanda dizia entre lindos soluços. Acho tão belo quando as mulheres choram soluçando que nem crianças mimadas. Odeio quando elas gritam e sofrem e toda essa desgraça. Gosto das pequenas tragédias humanas que fazem delas lindamente vulneráveis.
O amor é uma palhaçada, concordei sem dizer nada. As mulheres são todas cruéis e os homens são piores ainda. E todos nós, humanos, estamos nesse circo, entre leões treinados, elefantes subnutridos, trapezistas alcoolatras e palhaços cruéis. Todos nós tão assustados quanto as crianças que assistem o globo da morte. O amor é uma palhaçada, mas quem consegue viver sozinho? Uma hora uma vagabunda, ou um filho da puta, no caso das mulheres, lhe fisga o coração e mais uma vez você está pendurado, nu e envergonhado, enquanto Deus ri da sua desgraça.
Abri meus braços para ela, mas ela não quis meu abraço. Queria todo o amor que o filho da puta não queria mais dar a ela.
Dei de ombros e fui pra casa.
Sempre odiei palhaços.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Escritor

Comecei a escrever em 2008. Até aquele momento, escrever significava dissertar sobre temas polêmicos e atuais. Introdução, desenvolvimento e conclusão. Eu era péssimo em concluir. Ainda sou. Então eu descobri o que é dar a luz a uma crônica, tenho que admitir que acho crônicas interessantes, mas odeio escrevê-las. Daí um conto e outro e a paixão pela escrita começa a fluir no sangue. O menino vira poeta e pára de escrever lindezas. O mundo não é belo, o piá diz. Enfim, era final de 2008 quando ele decidiu começar a escrever um romance. Um romance é muita coisa. Diferente de escrever em um blog afim de suportar um vício. Escrever é uma droga, a mais deliciosa delas. E o guri se tornou escritor. O que faz um escritor? Escreve, oras. Reinaldo Moraes diz que escritor que se preze faz lhufas. Acho justo.
Estamos na metade de 2011 e não acredito que termino meu romance nesse ano. Mas acho que consigo terminá-lo antes de o mundo acabar. Bom, ele está aí, crescendo, evoluindo, engrossando, tomando volume e cara de livro de verdade. Jack Kerouac escreveu seu primeiro romance em três dias. Em três dias devo ter batido umas três a cinco punhetas, mas não escrevi porcaria nenhuma do meu romance. Três anos na batalha. Três anos artista. Três anos viciado. Três anos de uma vida toda pela frente.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Generalizações

Ontem falei a uma socióloga que os artistas eram vagabundos. Ela ficou indignada, pois os artistas não são vagabundos. Eu, engenheiro, fiquei matutando com as minhas calças rasgadas: será que ela sabe que sou escritor? Sei lá, vai ver que eu sou um ponto fora da reta, eu e os outros poucos artistas que conheço. Vou ficar chamando povo de vagabundo só porque encho o cu de vinho, cerveja e maconha enquanto o mundo gira sem o mínimo do meu esforço?

Não, não me deixe jamais

Once I had a love.
And she fucked all my friends.
Now she's fucking another guy...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Intérprete

Todos os dias, nas minhas sinônias, me vejo caindo. Voando em queda livre. O vento secando a minha boca e meus olhos. Mas eu nunca chego ao chão. Caio do infinito ao infinito.
Essa noite me vi cair de novo, mas dessa vez eu chegava em altíssima velocidade ao meu colchão. Sentia minhas costas doendo com o impacto e as molas me empurrando para o meu devido lugar de origem, o ar. E depois eu caia de novo, e dor de novo e ser empurrado de novo.
Eu não tô pronto para morrer. Deve ser isso.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Novidade

1h da manhã e a insônia não passa de uma invenção. Deitar pensando em dormir é uma bobeira. É como cagar pensando em cagar, ler pensando em ler, pensar pensando em pensar (juro que parei uns dois segundos, só pra ter certeza que a oração saiu certa). Dormir é mais uma viagem regada à drogas. Droga sono, no caso, a que eu nunca mais vi ou ouvi falar. Só no finalzinho da aula, perto do almoço, mas é que eu estava viajando entre o meu livro e o que o professor falando. Mais uma viagem regada a uma droga: uma aula que eu não estava entendendo nada. Que vida, que droga. Só queria deitar e viajar. Sonhar um sonho lindo com a Amanda, pequena e magrela, lindíssima com seus lábios pintados de batom vermelho, combinando com as unhas e com a blusa listrada, vermelha e branca, tão branca quanto ela. Ou sonhar com a Mariana, alta, gostosa, voluptosa (nunca usei essa palavra, perdi a virgindade), lábios carnudos, cabelo liso e fino, salto alto, pra ficar mais alta do que eu, me amando de mentira, como ela sempre me ama, mas nos sonhos tudo é lindo e nós nos amamos intensa e deliciosamente. Que droga. Acordado de novo, pronto pra acordar de novo.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Rancor

Amanda tinha se mudado havia mais de um ano, mas eu nunca fui visitá-la. Morava com outras cinco garotas, todas não muito bonitas e fanáticas pelo Justin Bieber, vai ver é por isso que nunca a visitei. Pois a casa estava vazia, só Amanda e a casa.
Então nós passamos quase uma semana juntos. Ela queria ir a praia, tomar sol, sair com os amigos. Eu queria ficar embriagado e transar. Pois fizemos o que ela propôs, talvez por eu não ter proposto a minha ideia, ou por eu ser um merdão sem voz. Conheci uns amigos dela, todos bonitos e simpáticos, mas nenhuma amiga. Sempre me dou melhor com mulheres, principalmente amigas de amigas, principalmente quando elas são bonitas. E eu tentei ser simpático. Jogamos sinuca, eu e um amigo dela de dupla, nós ganhamos algumas vezes, rimos. Junto com os amigos, vem as histórias. E as vezes é melhor não conhecer o passado de uma mulher. Ela já tinha pego Deus e o mundo, a boca mais rodada do país, pegou os amigos que estavam conosco. Jogando sinuca, bebendo Heineken e ouvindo as histórias da vagina que eu não estava comendo. Foda-se ela, eu pensei, em algum momento.
A cada dia que passava, nós nos distanciávamos um pouco mais. No primeiro dia, suguei os belíssimos mamilos para dentro da minha boca. No segundo dia, nos esfregamos por debaixo das cobertas. No terceiro dia, nos beijávamos na rua. No quarto não andávamos mais de mãos dadas. Foda-se ela, eu pensei.
Ela entrou num ônibus circular, ia encontrar um dos amigos. Eu beijei a bochecha dela e não esperei ela ir embora. Amanda vestia um óculos escuro e provavelmente não olhava pra mim. Provavelmente pensava que a ideia que ela teve, de me convidar para visitá-la, foi a mais idiota possível. Estava pensando em ir pra praia e se vingar, pegando ou o amigo, ou um argentino, ou um carioca, ou todos eles, um de cada vez ou ao mesmo tempo. Foda-se, pelo menos alguém vai transar, eu pensei.
Sentei na rodoviária e cheguei a brilhante conclusão: Thomas, de agora em diante, você não quer mais transar.

Ficamos eu e Amanda em silêncio. Dias e meses e, se não fosse o meu desconforto e a minha coragem de dar o braço a torcer, anos. Tudo por causa de um rancor inexplicável. Agora falo com ela. Louco por um convite. Louco pela foda desperdiçada. Que merda, tão vulnerável à vagina...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Dando nome aos bois

Eu e o meu cabelo curto e a minha barba por fazer e a minha barriga flácida e o meu pau entediado e o meu coração ressentido descobrimos que o amor não é divino. Desde sempre, o amor me foi uma utopia inalcançável. Vivi um grande amor certa vez, então reservei esse título à essa ocasião: a única mulher que amei. Que bobeira.
Meu primeiro amor se chamava Marcela. Ela era maior que eu, talvez mais velha, cabelos pretos cacheados, um pouco gordinha. A mãe dela, num dia qualquer, pediu ao meu pai que nosso amor fosse acabado, pois a filha dela não parava de chamar meu nome enquanto estávamos longe um do outro. Meu pai ficou perpléxo, afinal eu e Marcela tinhamos dois anos de idade.
Lembro que amei a Érica, mas não consigo lembrar seu rosto. Só lembro dos óculos e do cabelo cor de mel liso. Nós nos amávamos nos recreios, escondidos atrás da casa de bonecas do colégio. Tinhamos menos de seis anos. Nessa mesma época, uma garota chamada Lourene me amava. Me amava intensa e assustadoramente. Ela odiava a Érica, mas a Érica não lhe dava bola. Certo dia, Lourene trancou a porta da casa de bonecas, eu e ela lá dentro. Eu tinha medo, ela tinha malícia. Me deu uns beijos malandros e ficou por isso, a partir desse dia passei a ver a calcinha dela todos os dias.
Já com uns onze anos, me apaixonei pela Jamile. A Jami era uma garota extraordinariamente linda. Cabelos negros e olhos verdes, a combinação mais bela possível. Nós crescemos juntos e eu vivia o mais dolorido amor platônico. Segunda-feira era o pior dia da minha vida, pois era como se o nosso relacionamento começasse do zero, para na sexta-feira eu achar que dali a pouco estariamos casados. Mas segunda-feira acontecia toda semana. Nós perdemos contato, ela engravidou, tem uma filha tão bela quanto ela.

Amei tantas garotas que, se eu fosse contar de todas elas, precisava escrever um livro. E a premissa: o amor é grandioso, caiu. Não amei apenas uma vez, mas uma centena de vezes. O amor, que me era um Deus, agora não me passa de um humor barato.
C'est l'amour, c'est la merd.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Purgatório

Era uma quarta feira normal, fazia frio e o céu estava nublado. Quarta feira de inverno com cheiro de café, como todas as outras quartas feiras de inverno com cheiro de lã. Na casa da vó, a panela de pressão apitava. A canja estava quase pronta. Odeio o crepúsculo no inverno. Me dá saudade da infância. Duas grandes janelas que abriam para fora davam para a rua. Fazia silêncio, de vez em quando um telefone tocava. Meu coração batia forte e eu podia ouví-lo alta e claramente. Os passantes na rua e a minha vó, na casa dela, podiam ouví-lo alta e claramente. Abri uma das janelas, a outra fechei. Peguei o extintor e joguei-o na janela fechada. E o que eu temia aconteceu, o vidro não se quebrou e eu ia ter que pular pela janela aberta, o que me obrigava a pular sentado. Meu medo de pular sentado era cair em pé, quebrar as pernas e elas perfurarem meus intestinos. Eu sabia que 22 andares não iam me matar se eu caísse de pé. Eu tinha que cair de cabeça, para fraturar o pescoço, ou de costas, para que minhas costelas quebradas perfurassem meus pulmões e coração. Alguém pigarreou. Sentei na janela e disse adeus à vida. Me soltei e com os pés na parede, do lado de fora do prédio, me empurrei para frente.
Era lento. Como se eu estivesse mergulhando em água. Eu não respirava. Lá embaixo, ninguém me via cair. E eu caia. Rápido. Muito rápido. A cidade já fora mais colorida. A vida também. A calçada ia crescendo e eu ia descobrindo seus detalhes: algumas rachaduras, chicletes brancos e rosas e vermelhos e verdes, bitucas de cigarro. Será que eu vou morrer? Que medo de não morrer. E tudo ficou escuro. Preto.

Senti uma pressão nas costas. O chão molhado. Um cutucão no ombro direito.
Abri os olhos: Thomas, o doutor está esperando.