quinta-feira, 26 de maio de 2016

Dicotomia sem dialética

o império de mim desfalece como uma barragem
todo esse eu em vazamento furioso
descendo
e caindo
líquido como
um tsunami

nenhum acordo bom
só tiros no pé e a reafirmação
de ignorâncias

se apoiar em esperança
não é nada mais do que deixar
nas mãos de Deus

enquanto a gente nem tem
certeza
que Deus existe

sinto dó das
mulheres
e de mais um monte de gente
e de mim mesmo

porque só a dó
exprime a impressão
concreta
de que essa merda
tá realmente fodida

vocês estão loucos

gritando loucuras
e
sendo
escrotos

não tem mais esperança

tem um mundo inteiro de
pessoas vazias
de qualquer fio
de empatia

só sobra a paciência
e a resiliência

eu borbulho por dentro
e praticamente aceito

vomito esse poema
como eles vomitam opiniões

com a boca cheia de desprezo
apontando dedos e dizendo
que aceitem o fato de serem coniventes
com essa bomba atômica

que admitam o erro
ao invés de contornar suas memórias
dando outros sentidos
às suas palavras

eu não quero ninguém vilão
porque vilão
todo mundo
é

quero gente pensando
e concluindo que sim
isso tudo é uma grande
merda

mas não pensam
não admitem
ninguém admite

eu estou cansado de admitir

parece que só eu sou moldável
ao bel prazer
só eu que mudo de opinião
com a informação
mais lógica

parece vazio
ser sensato

porque os sensatos
não lutam
e não gritam
e não apontam dedos e palavras e armas

eu só não quero
ser enganado
e como fogos de artifício
os próprios enganadores
mostram aos enganados
que foi tudo
mais um
engano

e ainda
sou só
eu
que me sinto
enganado

toda
hora
enganado

não tem mais esperança

tem leões e tigres e onças e pavões e babuínos
desenhados por uma criança
de 4
anos
sangrando
até
que sobrem apenas
os mais espertos

e eu ainda tenho a
coragem de achar
que sou só eu

como eles pensam
que a voz
do povo
é a voz
de Deus

terça-feira, 24 de maio de 2016

Ninho

sou um pombo
que anda
e cisca
e anda
e voa

que se aninha
nos cantos escuros
e altos

praticamente
quieto
e resiliente
e imundo

arrulho
um som tao baixo
que me esqueço
que fui eu

esquece

mas dentro
de mim

Buda vive

um Buda em berros altos e estridentes
me explodindo em uma energia que fluidamente
entra
em mim

Buda quebra
e minha caixa toráxica
inflada e inflamada
segue como colete a prova de balas

arrulho

me aninho

quieto

cisco

sábado, 21 de maio de 2016

Insustentável

me enxaguei

e me ensaboei de novo

ao pegar o shampoo
percebo que eu já havia
terminado o meu banho

devolvo o frasco para o
lugar dele

a água é quente

muito quente

e lá fora
o ar é úmido
e a água congelada
entra nos fios dos cabelos
e da minha
barba

muito quente

olho para baixo
e o ralo se parece
comigo

ou a água sou eu
e eu derreto
transparente
e limpo

muito quente

como eu consigo me sentir tão bem aqui?
sozinho num retângulo de noventa por um e
dez

o tempo para

nada importa

o mundo não
tem mais sons
o mundo nem
existe
mais

só o som da água no meu corpo
e nas paredes
e na janela
e no piso

e o chuveiro
me cantando
em um contínuo
som gutural

muito quente - eu importo - e a água queima minha pele feliz
meu corpo feliz
minha vida feliz


tenho medo do banho

de entrar e não sair mais

nunca mais

despejando toda a represa do Córrego Grande
nas minhas costas

sem perceber
que gastei
toda a água
do mundo

muito quente

só calor
e o som
dali
de dentro

girei a torneira para a direita
pouco o suficiente
pra ficar mais quente

e eu conto até dez
e eu conto até dez
e eu conto até dez
e eu esqueço que estava contando
e estou no 241

giro mais
e fica mais quente

não consigo
mais
respirar
o vapor
que sai
de mim

desligo o chuveiro

e o mundo lá fora

volta a fazer barulho

enquanto o ralo
chora
e o chuveiro chora
o ar gruda
em mim
como o próximo
e gelado
segundo

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Os meus patamares são pontas de agulha no meio da multidão

mais um impulso

ele vem e fica na minha nuca e nos meus ombros

até eu pular

mais um córrego
obscuro
de pensamentos
sinceros
complexos
e vazios

meu espírito
acima de mim
se empurrando pra fora
pra me deixar
aqui

ele fica
e eu não sei
se gosto

é bom

mas eu não sei
se gosto

mais um impulso
e ele não significa
muita
coisa

domingo, 15 de maio de 2016

Vestido de paetê

solta os dedos

e deixa dançarem

porque alguém precisa dançar


nem os tímpanos dançam mais



o silêncio não existe
ficam os sons do mundo
mas com eles
a gente dança outro tipo
de dança


deixa que façam o que fazem melhor
é que outra hora achei que eram bons pra outra
coisa

duvido muito
que possam fazer ao menos
isto

a dança

dedos
pra lá
e pra cá
que te amam e caem
sempre caem
e sobem e descem
numa dança que pouco
faz
sentido

é só como eu aprendi a
viver
com amor
e
sem cerveja

mas quando tínhamos cerveja
dançávamos
mais

e todo o ódio gerado pelo glúten
vazava por eles
os dedos
com uma agilidade
despudorada
quase inconsciente
de tão rústico
rude
ríspido
escroto

muito
escroto

vai ver
a cerveja foi por um bem
maior

a paz no mundo

porque ele se autodestrói
sem que eu precise tirar meu rosto
pra cidade

minha vida em uma caverna
quente como a minha pele
suja como a minha mente
e os dedos ficam calmos
e eu nem tenho vergonha em dizer
que parei de
beber

acho que nunca fui bonito

acabei dando muito valor pra coisas que hoje
não importam

me importa mais do mesmo
o meu umbigo
cheio de pés de
alface

"eu precisava de cocaína para acordar"

eu precisava dormir

toda hora

porque esse sono todo já teve muitos nomes
essa vida já teve muitos significados
eu já expliquei tudo
e mudei as explicações
pois tudo
precisa
ser sempre lógico

fico mais lógico
mais lógico
muito lógico
tudo é lógica

eu não acredito no meu poder

poder
é opressão

e eu não estou interessado em
oprimir

me oprimo
guardando toda essa
força
pra quando
algo fizer sentido

porque tudo é lógico
mas raramente faz sentido

os dedos batem
teclas
e é lógico

as palavras
tudo sobre palavras
porque elas definem o indefinível

houve uma época em que eu
simplesmente acreditava que as
coisas existiam independentemente
das palavras

portanto as coisas seriam
nomeadas por diferentes
palavras
uma coisa com vários nomes
em várias línguas
que se interceptam e se confundem e se mesclam

a palavra perdia sua importância
pois seria vulgar
comum
popular

mas a palavra tem poder

solto os dedos
e eles dançam
não é meu poder

eu não tenho poderes

é o poder da palavra
de espremer
tudo o que ficou aqui

as histórias
e as memórias
e os sonhos
que são feitos de trigo

recheados de doce de leite
e creme
e nutella
e sabores tão doces quanto a própria farsa de existir