terça-feira, 15 de agosto de 2017

A corrida de bigas ou o santuário de Ka'bah

me rasgo
abrindo essa pele elástica
que resiste às pressões internas

pra aliviar o estresse
pra me limpar com meu próprio sangue
pra fingir harmonia
porque aparentemente esse tipo de mentira
é importante para a sociedade

eu vejo as forças
e as resistências
vejo os átomos se comprimindo
e se reorganizando em um sólido de aparência pastosa
denso porém de formato orgânico enganando moleza

eu vejo as manchas
que seguem mais eternas que minha própria consciência
como borrões enfeitando a realidade como a síntese do descaso
respingos de histórias imundas e ora ou outra irrelevantes
comida, sujeira, a luz nas minhas retinas confusas
eu vejo a história
e tudo que fiz
e tudo que sou
e como o mundo ficou

mas não tem como voltar atrás

o sangue vaza
e os órgãos vazam

eu aplico pressão
o desespero nos meus olhos espelhados
eu aberto e invisível
ou queria que fosse
os olhos me encontram

vendo o que eu imagino ser meu corpo banhado em escarlate
aberto e vazio
irresoluto de qualquer valor

não dá pra voltar atrás

uma hora o impacto vem
e outra hora ele volta
mas não se trata de uma repetição da primeira vez
só que uma nova e singular segunda vez
as coisas não voltam
os impactos só seguem
no mesmo corpo
no mesmo espírito
e na mesma alma

olhos arregalados
sempre arregalados
procurando preocupações sempre mais suaves
vasculhando a matemática do universo
em busca de uma constante

caminhando rápido
pra sempre
chegar no
fim do mundo

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

O átrio

Quando estou na ponta
A poesia vem
Como se soubesse sozinha
Que esses são momentos
Singulares e específicos
Que poucos tem a oportunidade 
De viver

Vem como os falecidos parentes 
No leito de morte
Um sinal claro e dotado de fidedignidade
Nesse amontoado de saberes que a sociedade
Vem guardando

Vem me mostrando que o fim é próximo
Com a clareza do rápido flashback de toda a vida

Mas nunca é rápido
É sempre um vai e volta de memórias pintadas com a criatividade dos anos
E essa coisa de reviver e ressentir e reescrever essa experiência

O fim que nunca vem
Nunca convém
Nunca pontua esses parágrafos
Que só seguem o fluxo
De um filete de consciência

Eu já deixei de esperar o fim
Segue reto
Toda vida

E vivo essa magnitude de sensações
Que possuem cores e formas que se misturam

Um filtro de psicodelia carregada na minha
Jamais monótona realidade

Um cotidiano de surrealidades
Que convivo com certo desdém
Em um cérebro de quem já há pouco
Sonhava em perceber o impossível

E hoje convivo com o imperceptível
Ou irresoluto ou até incrível
Mas certamente indescritível

Me massageando as pernas como
Uma multidão que me usa como caminho
E esse monte de gente andando em ondas entre meus músculos e pele

Não sei se faz sentido 

Mas eu tento

As palavras não sabem nem definir angústia
Isso me angustia 
Esse exército caminhando sobre mim
E nenhuma palavra define
Isso me angustia 

E como explicar fechar os olhos e aparecer em outro lugar
E abrir os olhos e estar no mesmo lugar 
E fechar os olhos de novo com a pretensão de nunca mais abrir pra ficar lá pra sempre
E o receio de não voltar
Como que preso em todas as cordas de relacionamentos e responsabilidades
E abrir os olhos com o coração ardendo em batidas longas como ecos
As palavras que não explicam
A memória que não traduz

A sensação de estar na ponta dos dedos de um gigante esqueleto
Escorregando as falanges amareladas com medo de prender os dedos em um simples mover da mão 
A certeza de que longe desses dedos mal polidos só resta uma eterna e incômoda luz branca
E eu me agarro de olhos fechados e molhados
O coração
Sempre confuso

Entre o que é realidade
E o que não é

Um comando sem resposta
Querer e fazer em sua mais distante separação
Quem dera fosse desentendimento 
Pois assim logo se resolviam em pazes
Pouco mais me bastava pra eu me enfurnar em sonhos magnânimos e magníficos
Mas a magnitude da distância
Só me faz observar de longe
Abismado com a escala das coisas todas
Tudo imenso
Gigante como metrópoles que se desprendem do continente e se dissolvem no oceano como pedaços de gelo em água quente

A pergunta do milhão
A poesia sem fim
O parágrafo de introdução no meio do texto
O fade out entre duas inspirações 
Ou no meio da expiração
The End nas minhas cortinas e eu não sei se é dia ou noite porque a regra é que a janela não abre
Tenho medo lá de fora
Coisas horríveis acontecem lá fora
Monstros e moedas e sacos de lixo
Fios e postes e fios e postes
Condomínios vazios abandonados por joãos de barro
O som de uma e duas e três motos que buzinam pra todas as mulheres do mundo sem nenhum ser humano perceber

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Feche os olhos, relaxe os ombros. Você se sente cansado.

os objetivos se transvestem de coisas únicas
porque há um tsunami de individualidade
que obriga a exclusividade de um objetivo singular
um objetivo próprio

mas o que meus néscios olhos veem
são poucas pessoas fugindo do objetivo a que estamos todos
programados

um único grande objetivo
o de equilibrar com abundância
felicidade e dinheiro

e as coisas se misturam
sucesso é dinheiro
e felicidade é almejada

enquanto um intenso e inacabável debate
de certo e errado
prova que há um pouco de selvagem
em cada um de nós

felicidade e dinheiro
e uma dose de selvageria
em nome da liberdade
e da democracia

um voto ao vendido
outro ao comprador
uma esperança inteira
em ser o melhor

moralmente melhor

me preocupo com as pessoas
que não veem os objetivos
e os diluem na realidade

ora acreditando que se tornarão assim realidade
ora apagando sinais de desejo contra possíveis fracassos
ora se libertando dos fardos que a humanidade trouxe consigo nesses longos anos de evolução

vejo ironia
na obrigação humana
de perseguir um único objetivo supremo

e na minha obrigação como gente
de ter planos para que o objetivo seja consumado

o niilismo organizando o meu cérebro sem eu jamais ter lido qualquer coisa sobre o tema
com receio de lê-los por puro medo de encontrar um dogma que dita meus pensamentos
de me ler onde há vazio e me sentir assim predisposto a ser mais vazio do que agora

a vida segue
e eu colo o objetivo humano na parede
me lembrando que não importa o tamanho do rombo
que suga e me suga
eu simplesmente
preciso vencer