quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O mugido

eu não podia mais sentir ninguém
senão o ser humano que existe dentro de mim
ele esperneia como filhote de gente dentro do ventre da mãe
se debate dentro da minha cabeça pequena
ele sou todo eu
me dou todo como se tudo que eu fosse
fosse ele
ele esperneia
confuso e arretado
porque arretado é a palavra que mais cabe dentro dessa placenta apertada
feita de grossas correntes de massa cinzenta
meu cérebro em pequenos infinitos desertos me confundindo qualquer coisa
esperneia e esquenta os músculos
vive vivo e segue inconsciente
não sinto e sinto raso
um pires seco e empoeirado
um sábio de mentira
uma máscara que não combina com o figurino
um elenco que não combina com a peça
e a poesia não conversa com os versos
vive e esperneia
eu não sinto nada
só ele chutando
aperto os dentes e todos os maus pensamentos parecem irrelevantes como todo o resto
os olhos confusos que não veem e não percebem
e a verdade não vem de graça
nem de curiosidade
nem de poesia
a noite eu funciono melhor
meus músculos derretendo como bolacha em leite quente
alma e água suja
a madrugada e o tempo inteiro
sexo e amor e solidão
Jesus e Deus e mais uma porção de grandes divindades
elas homens e mulheres
mais mães do que pais
mais guerreiros que pais
eu me pergunto de novo

quem sou eu?