segunda-feira, 26 de junho de 2017

Dos bastidores

eu louco por exposição
me expondo louco
como quem não tem vergonha de segurar cartazes

normalmente eu tenho

guardo minhas ideias em arquivos salvos de poesia secreta
em pedaços escuros do cérebro que só eu sei chegar
em suspiros que vão embora pra sempre carregados por todas as moléculas do ar

racionalmente não tenho escolhas preferidas
razoavelmente convivo com o que me convém
como quem não tem vergonha de abrir o peito em intimidade exagerada

eu abro
e sangra
e uso esse sangue como artifício
do meu grande espetáculo

é sempre um espetáculo sincero

mas normalmente eu me fecho

me irrito comigo sendo discreto
mas sou
ou procuro ser
com o maior dos cuidados

andando com as pontas dos pés
fantasiado de capa de invisibilidade
sem respirar um pouco sequer

atravessando um mar de gentes sem ser tocado
ou sentido
ou observado

e por espontaneidade
subo no palco

eu sempre subo
e de lá eu grito verdades
e arranco sorrisos
mostro tudo
sem dó de ser

aplausos

as cortinas sempre se demoram pra fechar

e o espetáculo não tem mais fim

pois quando fecham
eu fecho também
e eu me sinto bem
com o que fiz
e com o que sou

o fim nunca acaba

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Paz interior

existe uma sensação que a pouco era nova
mas que hoje é meu jeito de sobreviver

o desespero de sempre
mas o controle de si

um desespero controlado

eu sinto esse desespero nas minhas olheiras
que mais parecem uma sombra de olho invertida

um tom de roxo que puxa minhas pálpebras para baixo
mais a esquerda que a direita

o desespero calmo

como um dia que não para de chover uma chuva fina
aquela que não cai e nem molha
mas que levita no ar como poeira contra a luz

o dia que nada acontece
nem bom
nem ruim

mas um tédio supremo que irrita e incomoda
e um receio de má sorte
a sensação de estar a um passo de uma tragédia
com a consciência de que tal tragédia não acontecerá

olho bem em volta e procuro a tragédia
e o mundo claro e cinza vive em monotonia dinâmica
um eterno vai e vem de corações e mentes
que nos faz continuar onde estamos

eu começo a urgir pela tragédia

me convenço de novo
que ela não passa de
fantasia

fantasiado de humano
sou a tragédia

meu desespero não diminui
não some
não é esquecido

mas eu fico calmo

desesperadamente calmo

consciente e desesperadamente calmo

que bom se a vida continuasse
e fosse simples assim