sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Comercialização do confessionário - Excerto Primeiro

- Bom dia. - Diz o psicólogo, sentado em sua grande poltrona, olhando suas anotações numa agenda que imitava couro de cobra.
- Bom dia, doutor. - Ele diz enquanto senta no modesto sofá dos pacientes.
- Como vai você?
- Vou bem. E você? - O psicólogo o fita por algum momento.
- Você não me parece bem.
Ele sorri enquanto olha para o colo, evitando os olhos do seu amigo particular.
- Vamos começar de novo. Como vai você?
- Vou bem... E... E o senhor?
- Estou bem. Mas por que você não está bem?
- Falei que estou bem.
- E eu falei que você não me parece bem.
Fez se um pouco de silêncio. O psicólogo olhava a alma dele por cima de óculos quadrados pendurados na ponta do nariz gigantesco.
- Acho que estou doente.
- O que tem?
- Não sei. Estou mal do estômago há dias.
- Foi num médico?
- Não, acho que não é nada.
- Está tomando alguma coisa?
- Não.
- Nem um omeprazol?
- Não.
- Por quê?
- Estou cansado...
- De quê?
- De tudo.
- Por exemplo?
- Sei lá. Eu me pego olhando pela janela...
- Hm...
- E eu percebo que eu estou lá. Olhando tudo aquilo. Sentindo o Sol queimar a minha pele.
- E o que você vê?
- A rua em que trabalho.
- E?
- E nada.
Faz-se mais um pouco de silêncio.
- Enfim, o ponto é que eu percebo que estou olhando pra janela. E o Sol está me queimando.
- O problema é o Sol?
- O problema é que eu percebo que estou na janela só depois de o Sol me queimar. Eu fico um longo período de tempo olhando lá fora.
- Olhando alguma coisa?
- Não sei... Acho que tudo.
- Pensando em alguma coisa?
- Não sei... Acho que nada.
- Esperando alguma coisa?
- Acho que sim...
- O quê?
- O fim do mundo, eu acho.
O médico anota alguma coisa em sua caderneta.
- Você acredita no fim do mundo? - Pergunta o paciente doutor entre duas frases anotadas.
- Não.
- E por que você o espera?
- Acho que queria que ele acabasse logo.
- Por quê?
- Tenho a impressão que não gosto dele.
- Não?
- Não. Nada me satisfaz.
- Anda insatisfeito?
- Ando. Ando demais. Meus pés doem. Meu estômago dói. Não aguento mais andar. - O psicólogo sorri. - É nessa hora que eu como. Como sem parar. Como um animal esperando o inverno mais frio dos últimos 48 anos.
- Depois de andar?
- Depois de sentir muita dor no estômago.
- Por que?
- Porque não quero comer antes.
- Não sente fome?
- As vezes sinto. Só não quero comer. Nenhuma comida me satisfaz.
- Nem um churrasco?
- Comeria um churrasco. - Os dois abrem sorrisos.
(...)