quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Fôlego

parecia um dia perfeito em que o sol brilha e deixa a pele confortável e o ar gelado faz a pele suportar as queimaduras do sol
a pele o sol e o vento e uma única realidade
a que dá errado como um hábito ou um vício repulsivo que confunde os desejos
mais ou menos? mais do mesmo sempre mais sempre menos sempre o mesmo hábito
sempre a saúde em primeiro lugar como se meu corpo envelhecido fosse sinônimo de auto-respeito
sem nome pro casulo grosso que suporta o que vem de fora
os olhos bem abertos e encharcados secando no vento
ou eles bem fechados evitando toda a luz que brilha num mundo branco
é claro que há conforto em saber do desconforto que faz da paciência uma peça nesse infindável jogo de xadrez
preto e branco e preto e branco e preto e branco e o meu corpo envelhecido e a pele gelada e a conformidade sempre a conformidade de existir como consequência fundamental do passado
extirpando ou extinguindo as possibilidades como um extintor de incêndio num corredor vazio
o desejo queima a paciência queima e o fogo me prende de novo numa injustificada alternativa para permanecer minimamente coerente
senil sem os anos com umas histórias que se bem contadas podem ser fascinantes
e se mal contadas são vazias como o corredor que nos leva a corredores de portas fechadas
o dia perfeito e os mesmos caminhos de todos os dias e os mesmos hábitos e vícios dispostos como um quebra cabeças solúvel nas minhas mãos suadas
e geladas
meu labirinto viciado como o vício pelas palavras e os mesmos passos e as mesmas reações e os mesmos dias com sol e chuva e calor e frio e silêncio e o som ruidoso das máquinas e a fumaça e o antepenúltimo degrau que deixa o mundo mais claro
e é claro
que o ar
acaba
e
o
cora
ção
se
perd
e
co m
medo dex
plo
dir

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Hipnose

uma hora tudo fica explicitamente vazio
os pulmões cheios de fumaça são vazios
o cérebro cheio de reflexões está vazio
e todas as interações humanas são vazias

vazias como um oceano
infinito
e cheio
de moléculas distintas
que dependem umas das outras

tudo irrelevante
e um fio segura a própria vida
pesada e inerte
que balança como um pendulo
e nos confunde com esse vai e vem
que mais parece uma ilusão
de novos eventos viciados

sem solução
mas a esperança
de nunca escorregar

a vida humana reduzida a um único
objetivo: se segurar tão forte quanto
possível sob um título
tão vazio e tão cheio quanto todo
o resto: vencer

nada é dicotômico
e o universo se repete todos
os dias
enquanto achamos que fazemos
bem ou mal e certo ou errado
e é tudo sobre as escolhas
que fazemos

as escolhas são mentiras

é decidir se vai usar a força
nos dedos ou nos tríceps
desde que nunca
mas nunca
caia

porque a queda
é inadmissível

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Meditação e dissolução

aqui dentro é silencioso



e solitário



finalmente não tenho mais perguntas



e a incessante busca por respostas
cessa



conto o tempo como um nihilista
gosto de jamais ter lido Nietzsche
ia me identificar
como me identifiquei com Bukowski




e como Bukowski
pude aproveitar toda a dor
como combustível de escrotidão
sexo e desrespeito e cerveja
basicamente




hoje eu não preciso




nem de Bukowski
nem de Nietzsche
nem da minha própria poesia




nem de comida
nem de água
nem de banho




hoje eu evito pensar na dor
e no meu corpo morto




foco
em não
ter foco

no tempo
passando
um segundo
por vez

me perguntando quanto tempo falta

2 meses?
4 anos?
10 anos?
20? 40? 55? 120?

um milênio?




é que antes
dava pra focar
no fim do mundo

mas hoje
a gente sabe
que os humanos
destroem os humanos
só buscando
serem eternamente
humanos

e a humanidade
nunca acaba

é mais fácil que sobremos nós todos eternos
e somente nós todos
do que algum idiota apertar o botão vermelho
e explodir a porra toda
jogando pedaços de terra pelo espaço
confundindo as forças da gravidade e nos tirando de órbita
jogados em sentido ao Sol

meu corpo
morto

a solidão
e o silêncio

me diz
o que você quer

o meu corpo
vivo
era pra ser
Teu

me diz
os teus planos

que me disponho
a Você como um comovido servo

diz que me quer

e as coisas virariam luz e som





meu corpo
como cinzas
ou um papel
molhado
uma molécula
de oxigênio
vagando
pela Via
Láctea

sem uma única dúvida
só um amontoado de respostas
que me trouxe até aqui

um lugar escuro
estranho
e distante

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

As coisas mais estranhas

eu vejo tudo

cometas e pedaços de pedra se chocando com o chão
rasgando toda a atmosfera que vem antes

e carros e postos de gasolina explodindo
e a fiação derretendo e infestando a casa de chamas famintas

e socos e chutes e bombas e armas
e fome e loucura e dentes amarelados e olhos amarelados

eu vejo tudo
e não sei escrever

o que vejo não vem em palavra escrita
mas em curtas alucinações
rápidas e pouco sadias

eu vejo tudo
e não quero me defender
pra tentar provar
o que vi

viro culpado
e logo prisioneiro

sempre muito bem definido
por uma fina amostra do que sou eu

sub humano
super herói
santo são sábio só
sinto humilhado
sílabas como um hino
sem hipérboles

isso

um estranho isso
estranho como todo o resto

estranhamente bom
e estranhamente ruim
eu vejo tudo
e é
estranho

sábado, 27 de agosto de 2016

Fotossíntese

tudo pela
cura

temos sintomas
todos eles
e às vezes os conhecemos
às vezes nem os percebemos

e outras sabemos os nomes
de cor

como uma
lista de medalhas
que são só
nossas

uma porção de nomes
que explicitam
o que é
ser

o ser humano
é julgado
pelo que consome

mas deveria
ser julgado
pela lista
dos seus
problemas

o ser é o seu fardo
a vida é uma longa queda
e a morte é o impacto
final



que horror



e com esse amontoado de sintomas
priorizamos uns ou outros
e nos moldamos para sermos
sempre melhores
e melhores
até que esses sintomas
selecionados
façam parte de um
passado de histórias
de uma pessoa
pior

mas nunca é bom
o suficiente

nunca é certo
o suficiente

nunca nos cura
o suficiente




e os outros sintomas ficam todos ali
como crostas de fumaça
de longos e inexpressivos anos
de existência
e respiração
e contaminação
nos pulmões

a lista é atualizada
pois precisamos
da cura
e ela faz parte
do nosso propósito

a felicidade não é o propósito da vida

mas a felicidade pode ser a própria cura
ou algo parecido

ou só mais uma ilusão
ninguém
nunca
vai me provar
que é um

ou outro




lutamos
mais
e sempre
fingindo
que é pelos nossos filhos
e netos e bisnetos
que é sobre nossos pais e avós e bisavós
que é sobre a humanidade
ou sobre a vida na Terra

resilientes como a hera
que sobe as outras árvores
e faz sombra sobre elas
e as sufoca
sempre trepando e crescendo e indo em direção ao Sol como se ele pudesse nos alimentar a alma inclusive

sobrevivemos

domingo, 14 de agosto de 2016

Jantar

o mundo gira como uma sopa de ocasiões
e eu não sei se eu sinto nojo
ou fome

sábado, 13 de agosto de 2016

Bomba relógio

deleitosamente mergulhava nos mesmos motes
escolhendo fonemas distintos que simultaneamente me traziam de volta a quem eu
verdadeiramente
sou

talvez não evolua por falta de prática
ou estou num processo evolutivo incessante
sempre mais velho
e mais barbado

defenestrar meu presente não me soa consciente
ou sábio sob qualquer
instância
mas sigo num jogo de adivinhações em que
eu não paro de ganhar
experiência

sempre me debatendo na mesma poça de lama
buscando ar onde não há
me arranho todo e eu não faço questão de sentir dor

qualquer surto é demais
fecho os olhos e não surto
porque de certa forma
o surto
não vale
o sofrimento

amarro forte as minhas viseiras
e seriamente evito olhares
e contatos

sempre resiliente

esperando

explodir às 11h de uma terça feira

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A atualidade da história, a extinção do agora e o imediatismo do futuro distante

sinceramente
não gostaria
de ir pra
frente

sinceramente
não gostaria
de me mover
nem
um
centímetro

mas a maré
do mar de gentes
me leva
para lá
e para cá

me afundando em suas próprias
ondas
tomo um longo fôlego
e me satisfaço
boiando
de lá
para cá

sem mais que o esforço necessário
a corrente me leva
e eu participo
e sou mais uma pequena
e fundamental
e substituível
molécula
que dá corpo
à sociedade

o mundo evolui
rápido
demais

e eu assisto tudo isso
com meus próprios olhos
e eu compreendo
o significado
de História

sinceramente
eu não quero participar
dessa sociedade

sinceramente
eu não quero
mudar o mundo
nem vê-lo mudar
nem coisas velhas
nem novas
nem pouca coisa qualquer

sinceramente
eu boio
e a correnteza me leva
e os humanos já não são
mais os mesmos
as relaçoes
e a economia
e a política
e as cidades
e as culturas
e as tecnologias
não são mais
as mesmas

eu não sou o mesmo faz tempo
eu não quero ser
e sou

os anos estão passando mais rápido?
o futuro parece agora
mais um segundo
que significa muita coisa
pra construçao da
humanidade

é o tempo
de eu observar
as texturas
do vidro
com os olhos fixos
até que uma onda
me leve para cima
ou para baixo
e faça de mim
um ser humano melhor
ou
pior

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O desespero e a calma

um boato branco
e trivial
como um tiro no escuro
que desvia por ruelas
e toca a pele
por descuido

o medo incontrolável
de dormir
em público
e os sonhos
confundem a realidade
e os olhos fecham por um breve
segundo
e nasce-se outra vez

uma golfada de ar
para todo o medo
que conscientemente
juro
não sentir

um raio
e um percurso
e um trovão

uma refeição
bem preparada
que te mata

um piso
errado
e
bang

é tudo novo
golfo de novo
se é que essa palavra
existe

o ar me incomoda

não tenho medo
de nada
exceto do tempo
e da luz
e da louça
e do desemprego
e do passado
e do presente
e do futuro
e de todas essas catástrofes que não param de girar em torno de mim
como se eu fosse um imã de caos

o terreno é depilado
as fumaças negras e densas surgem esporadicamente
os carros se engavetam com lentidão absurda

um choque
atrás do
outro

acho que tem mais ambulâncias
e mais vítimas
e mais corpos sem rostos
sempre seus corpos
deitados
e uma multidão
ou um policial
ou um bombeiro
ou uma porta
sempre esconde
o rosto
da vítima

o mundo anda lindo
o céu e suas cores
e as árvores e suas folhas e flores
e o amor

o amor nos deixa cego
e nos sentimos gratos
pela vida

conscientes desse sufoco nessa merda toda
conscientemente calmos
e gratos
e vivos

terça-feira, 28 de junho de 2016

Datilógrafo

de novo os dedos
urgiam por escrever

as mesmas palavras
e as mesmas estrofes
viciadas
que diziam
sempre
a mesma coisa

amarrei-os
e o cérebro deu uma volta nele mesmo
como se por revolta
girasse no sentido horário

morre aqui
a capacidade
de bater em teclas
e dizer
alguma
coisa

domingo, 19 de junho de 2016

O dado de 20 faces e a revolução do planeta

um prelúdio
de um dia novo

a experiência de experimentar a inovação
cultivando a ideia como um processo
de seguir em frente
e quebrar o código

5h da manhã
e o meu vizinho
faz barulhos

me pergunto se o acordei
ou se ele está acordando os outros
vizinhos

aqui eu tenho sono
e a curiosidade

às vezes parece que há um fio de esperança
às vezes parece que ha um mar inteiro
às vezes a palavra sequer
existe

eu nem sei ao certo
o que hoje é
certo

não sei dizer
se algo que não começa
precisa ter fim

preso nos meus próprios vícios de linguagem
meu dicionário de páginas amarelas
meu pacote de regras
que dizem
quem sou
eu

primeiro um primata
depois um elefante branco
assim um caranguejo
ou um passarinho
ou uma planta em um
pequeno vaso
sufocada
em suas próprias
raízes

eco
dos meus próprios
barulhos

eco de mim nas superfícies todas

o som bate e rebate e a gata mia pedindo amor

eu mio
pedindo
amor

minha âncora
me suporta
ou me
afunda

minhas asas
me fazem voar
ou dificultam
o meu
caminhar

meu canto
é ode
e
ódio

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Dicotomia sem dialética

o império de mim desfalece como uma barragem
todo esse eu em vazamento furioso
descendo
e caindo
líquido como
um tsunami

nenhum acordo bom
só tiros no pé e a reafirmação
de ignorâncias

se apoiar em esperança
não é nada mais do que deixar
nas mãos de Deus

enquanto a gente nem tem
certeza
que Deus existe

sinto dó das
mulheres
e de mais um monte de gente
e de mim mesmo

porque só a dó
exprime a impressão
concreta
de que essa merda
tá realmente fodida

vocês estão loucos

gritando loucuras
e
sendo
escrotos

não tem mais esperança

tem um mundo inteiro de
pessoas vazias
de qualquer fio
de empatia

só sobra a paciência
e a resiliência

eu borbulho por dentro
e praticamente aceito

vomito esse poema
como eles vomitam opiniões

com a boca cheia de desprezo
apontando dedos e dizendo
que aceitem o fato de serem coniventes
com essa bomba atômica

que admitam o erro
ao invés de contornar suas memórias
dando outros sentidos
às suas palavras

eu não quero ninguém vilão
porque vilão
todo mundo
é

quero gente pensando
e concluindo que sim
isso tudo é uma grande
merda

mas não pensam
não admitem
ninguém admite

eu estou cansado de admitir

parece que só eu sou moldável
ao bel prazer
só eu que mudo de opinião
com a informação
mais lógica

parece vazio
ser sensato

porque os sensatos
não lutam
e não gritam
e não apontam dedos e palavras e armas

eu só não quero
ser enganado
e como fogos de artifício
os próprios enganadores
mostram aos enganados
que foi tudo
mais um
engano

e ainda
sou só
eu
que me sinto
enganado

toda
hora
enganado

não tem mais esperança

tem leões e tigres e onças e pavões e babuínos
desenhados por uma criança
de 4
anos
sangrando
até
que sobrem apenas
os mais espertos

e eu ainda tenho a
coragem de achar
que sou só eu

como eles pensam
que a voz
do povo
é a voz
de Deus

terça-feira, 24 de maio de 2016

Ninho

sou um pombo
que anda
e cisca
e anda
e voa

que se aninha
nos cantos escuros
e altos

praticamente
quieto
e resiliente
e imundo

arrulho
um som tao baixo
que me esqueço
que fui eu

esquece

mas dentro
de mim

Buda vive

um Buda em berros altos e estridentes
me explodindo em uma energia que fluidamente
entra
em mim

Buda quebra
e minha caixa toráxica
inflada e inflamada
segue como colete a prova de balas

arrulho

me aninho

quieto

cisco

sábado, 21 de maio de 2016

Insustentável

me enxaguei

e me ensaboei de novo

ao pegar o shampoo
percebo que eu já havia
terminado o meu banho

devolvo o frasco para o
lugar dele

a água é quente

muito quente

e lá fora
o ar é úmido
e a água congelada
entra nos fios dos cabelos
e da minha
barba

muito quente

olho para baixo
e o ralo se parece
comigo

ou a água sou eu
e eu derreto
transparente
e limpo

muito quente

como eu consigo me sentir tão bem aqui?
sozinho num retângulo de noventa por um e
dez

o tempo para

nada importa

o mundo não
tem mais sons
o mundo nem
existe
mais

só o som da água no meu corpo
e nas paredes
e na janela
e no piso

e o chuveiro
me cantando
em um contínuo
som gutural

muito quente - eu importo - e a água queima minha pele feliz
meu corpo feliz
minha vida feliz


tenho medo do banho

de entrar e não sair mais

nunca mais

despejando toda a represa do Córrego Grande
nas minhas costas

sem perceber
que gastei
toda a água
do mundo

muito quente

só calor
e o som
dali
de dentro

girei a torneira para a direita
pouco o suficiente
pra ficar mais quente

e eu conto até dez
e eu conto até dez
e eu conto até dez
e eu esqueço que estava contando
e estou no 241

giro mais
e fica mais quente

não consigo
mais
respirar
o vapor
que sai
de mim

desligo o chuveiro

e o mundo lá fora

volta a fazer barulho

enquanto o ralo
chora
e o chuveiro chora
o ar gruda
em mim
como o próximo
e gelado
segundo

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Os meus patamares são pontas de agulha no meio da multidão

mais um impulso

ele vem e fica na minha nuca e nos meus ombros

até eu pular

mais um córrego
obscuro
de pensamentos
sinceros
complexos
e vazios

meu espírito
acima de mim
se empurrando pra fora
pra me deixar
aqui

ele fica
e eu não sei
se gosto

é bom

mas eu não sei
se gosto

mais um impulso
e ele não significa
muita
coisa

domingo, 15 de maio de 2016

Vestido de paetê

solta os dedos

e deixa dançarem

porque alguém precisa dançar


nem os tímpanos dançam mais



o silêncio não existe
ficam os sons do mundo
mas com eles
a gente dança outro tipo
de dança


deixa que façam o que fazem melhor
é que outra hora achei que eram bons pra outra
coisa

duvido muito
que possam fazer ao menos
isto

a dança

dedos
pra lá
e pra cá
que te amam e caem
sempre caem
e sobem e descem
numa dança que pouco
faz
sentido

é só como eu aprendi a
viver
com amor
e
sem cerveja

mas quando tínhamos cerveja
dançávamos
mais

e todo o ódio gerado pelo glúten
vazava por eles
os dedos
com uma agilidade
despudorada
quase inconsciente
de tão rústico
rude
ríspido
escroto

muito
escroto

vai ver
a cerveja foi por um bem
maior

a paz no mundo

porque ele se autodestrói
sem que eu precise tirar meu rosto
pra cidade

minha vida em uma caverna
quente como a minha pele
suja como a minha mente
e os dedos ficam calmos
e eu nem tenho vergonha em dizer
que parei de
beber

acho que nunca fui bonito

acabei dando muito valor pra coisas que hoje
não importam

me importa mais do mesmo
o meu umbigo
cheio de pés de
alface

"eu precisava de cocaína para acordar"

eu precisava dormir

toda hora

porque esse sono todo já teve muitos nomes
essa vida já teve muitos significados
eu já expliquei tudo
e mudei as explicações
pois tudo
precisa
ser sempre lógico

fico mais lógico
mais lógico
muito lógico
tudo é lógica

eu não acredito no meu poder

poder
é opressão

e eu não estou interessado em
oprimir

me oprimo
guardando toda essa
força
pra quando
algo fizer sentido

porque tudo é lógico
mas raramente faz sentido

os dedos batem
teclas
e é lógico

as palavras
tudo sobre palavras
porque elas definem o indefinível

houve uma época em que eu
simplesmente acreditava que as
coisas existiam independentemente
das palavras

portanto as coisas seriam
nomeadas por diferentes
palavras
uma coisa com vários nomes
em várias línguas
que se interceptam e se confundem e se mesclam

a palavra perdia sua importância
pois seria vulgar
comum
popular

mas a palavra tem poder

solto os dedos
e eles dançam
não é meu poder

eu não tenho poderes

é o poder da palavra
de espremer
tudo o que ficou aqui

as histórias
e as memórias
e os sonhos
que são feitos de trigo

recheados de doce de leite
e creme
e nutella
e sabores tão doces quanto a própria farsa de existir

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Alógica

A avaliação do cenário, aplicada sob metodologia que se embasa na neutralidade, é clara: catástrofe. Sol, suor, vento, chuva e frio. Em um suspiro tão breve quanto um ano inteiro de fantasias, ou quatro meses. O planeta inteiro em  ritmo de halloween. Cada um com a sua, uma mais diferente da outra. Existem as geniais, as criativas, as ofensivas e as de sexy shop. E as mais profundas verdades, tornam-se fantasia. A realidade é uma fantasia que eu simplesmente não aguento. Fujo. Procuro outras realidades. Vivo viajando por mundos de fantasias.
Oscilo e balanço. Mesmo sem música, há música. O cenário muda, aos poucos, bem poucos. Os atos se demoram. A Terra me puxa para dentro, como se a natureza me quisesse dentro dela. Do ventre da minha mãe, para o ventre da Mãe Natureza. Numa queda orgânica e grotesca, que começa em uma corrida entre espermatozoides, ou mais cedo, na produção daquele espermatozoide daquele dia, ou do óvulo daquele mês, ou ainda mais cedo desde o início da vida na Terra, findando em uma reciclagem de componentes. Manufatura, produto, vida útil, lixo.
O que fazemos com o nosso lixo? A vida útil dos nossos produtos é longa o suficiente para que não se produza lixo sobre lixo? O lixo depende exatamente da vida útil? Existem coisas vivas que são lixos? Lixos orgânicos, vivos, opressores ou oprimidos?
Me pergunto qual o propósito dessas perguntas aleatórias. Não paro de me perguntar as coisas. É que a gravidade é tão pesada que sobra tempo para se pensar. O tempo vai embora. Vai como quem vira fantasma. Some para sempre. Não deixa nada senão saudades vazias e insignificantes, a longo prazo. Não sei se o tempo que se foi está melhor sem mim. Me subjugo. O jogo de perguntas e respostas sempre me subjugam. Sempre eu na pior escala, só assim eu entendo os lados. Quero entender tudo e todos. Mas não me entendo. Falta tempo.
E muito sinceramente, nem o quero mais, o tempo. Por mim, deixava de existir. E o conceito de tempo se extinguiria como as obrigações básicas da vida. Viveria como um animal, fazendo o básico por necessidade. E eu me conheço, ficaria cada vez mais só e introvertido. Minha vida seria dedicada ao exclusivo esforço mental. E muito provavelmente, entenderia tudo que temos o privilégio de não saber. A ignorância como privilégio forma seres bonitos e saudáveis. Ou não tão saudáveis. Quem me dera fosse saudável.
Catástrofe. Nem cabe mais pensar em solução. Nem a fama e o sucesso, nem o suicídio, me parecem propostas formalmente adequadas. E sou só quebra de decoro, formalidades dispensadas no tratar de absolutamente tudo, mas a lógica da situação pede precaução, no mínimo. Raízes mimadas, tronco rebelde, galhos frágeis. O vento me leva. A correnteza me leva. O tempo me leva. E a gravidade me deixa aqui, presa por orgulho, comprimindo todos os meus valores e me obrigando a contínua, incansável e, inerentemente, humilhante autoavaliação. O cenário é de catástrofe.
E a fantasia de que o mundo vai acabar ainda parece fazer parte dos pelos que nos nascem dos braços.

sábado, 2 de abril de 2016

Dialética, retórica e introversão

As palavras já não saem mais. De nenhum jeito. Não há receita que as tirem daqui. Ficam girando numa massa espessa, se esbarrando e me fazendo me entender. O atrito das letras gerando ruídos harmônicos e desarmônicos, atiçando os meus olhos nas cores que vejo e as minhas narinas com os odores que inspiro. Indefinido, me conheço cada vez mais. Me reconheço só. Ninguém me lê. Ninguém me entende. Porque as palavras não formam orações, mas cânticos primitivos. Os nossos deuses já não são os mesmos. As nossas ideias não são mais as mesmas. Eu não digo. Me guardo. Penso em suicídio mais vezes do que me sinto ótimo. Mas estou bem. As palavras me confortam. Girando como uma estrela, confinando e consumindo combustível num centro gravitacional. O som da estrela girando, como um coração pulsando, como asas batendo, como o ronronar de um gato. Me deito, inspiro, expiro. As palavras me confortam, mas eu não sei escrever.