quarta-feira, 24 de novembro de 2021

As cláusulas de um contrato pertinente

os números acabam
afinal uma hora tudo acaba
não importa se os ponteiros girem
uma hora o roteiro termina
sem números nem letras
só página vazia e a liberdade da imaginação
que inventa números que não existem
e acredita que há sabedoria em um mundo de magia

mas uma hora
os números acabam
como gotas que secam
e lágrimas que secam
e lábios que secam
e rios e mares que também secam

as palavras acabam
os sentimentos acabam
as oportunidades também

uma hora
os números acabam
e o roteiro subentendido
me diz que lá na frente tudo continua
mas a verdade é que ele acaba também
tudo acaba a verdade acaba o fim é que não tem fim

só o fim
que nunca deixa
se acabar

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A fama de alguém invisível e todas as vezes que eu quis ser nada

pode vir que eu tô pronto
espero como para raio em um dia de sol
meus dedos se esticam como os de um mágico que confunde seu truque
espero como o alarme de tsunami numa praia calma

as palavras vem mas só vem as palavras
soltas como pedras que navegam o espaço
puxadas de astro a outro sem nunca acertar nenhum deles

os dias seguem comuns e meu corpo segue em movimento
bailando enquanto flechas e adagas e dardos me usam como alvo
me deixando com cortes aqui e ali que ignoro concentrado no próximo passo

um temporal de ocasiões multilaterais que me atropelam
toda vez que eu respiro e lembro quem sou e o que sou e o que faço aqui

danço sozinho
que sempre foi meu jeito preferido de dançar

no escuro barulhento
na obsessiva embriaguez alcóolatra
que funciona bem como óleo nas juntas
desse homem de lata enferrujado

eu que fui negando as ambições todos os dias
me sinto ambicioso demais e eu preciso me segurar
pra não acabar com essa ambição achando que estou me educando
achando que aprender a não cair é aprender a não me machucar

entre um passo rápido e outro eu rebolo e 
"você rebola muito bem pra um hétero"
e isso nem é o pior de mim

que eu guardei num baú dourado sem chaves
mas que eu não abro
porque eu aprendi outras maneiras de ser

não sei se é verdade
mas às vezes eu acho
que me quero
de verdade

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A vaidade dos meus ouvidos ao ouvir tua voz

tua mente vangloriando
trazendo mil espíritos contentes
que vagam por eternidades
e clamam em tremor

tuas histórias se repetindo
todas as vezes que você respira
e perde o regozijo de sentir
até que sente de novo e sorri

teu corpo em êxtase
liberando uma imensidão
de cores e sabores e cheiros
que enuviam o ar de uma cor roxa

teus olhos vibram e brilham
como harpas em nuvens distantes
tão altas como a casa do criador
ou os satélites que se batem lá em cima

tolho com os olhos
e tensiono o teu sono
suspiro em carinho
uma nota só de puro amor

dois mil anos se passaram
e as tragédias continuam obstruindo
o que a gente buscou chamar de felicidade
como raios de sol que secam rios poluídos

uma longa marcha até um foguete
que me leva a você
que me leva até a Lua
que me tira de órbita
que me rasga em pedaços
que me costura por inteiro
que me explode como fogos de artifício
celebrando um novo ano que repete

dois mil deles
e eu voando
em trajetórias
configuradas
a nunca chegar
em nenhum lugar

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Nostalgia ao contrário

como é mesmo a sensação do pânico às 5h da manhã?
fechado dentro do box do banheiro enquanto treme nu
esperando que tudo vá embora pela porta da frente
as oportunidades, os amores, tudo que te carrega
a vida e por favor: tranque quando sair

como é mesmo a sensação da solidão sem estar sozinho?
amando e sendo amado e reprimindo tudo que é bom
pra degustar as dores do corpo e da alma e levantando bandeiras amarelas
só pra dizer: eu não me suicido porque aqui é sempre um domingo setembrino

como é mesmo a sensação da tristeza que deixa tudo absolutamente escuro?
sem nenhuma perspectiva de um sinal de clareza ou sorriso ou esperança de qualquer coisa
esperando um pânico repentino, às 5h da manhã de um domingo de setembro
beijos abraços e orgasmos desesperados pra eu me convencer que não é ausência de mim

era ausência de mim...



visto um pijama largo demais e sorrio, pensando que estou vestido de pai e sou de novo criança
vejo a fumaça saindo da chaminé da pizzaria numa tarde de quarta e sorrio, afinal "habemus papam!"
invento solos dos mais diferentes instrumentos pra acompanhar o vento que faz um galho bater repetidamente na minha janela

essa sensação quase estranha de vez em quando me sentir completo.
ou às vezes no mínimo em paz.
saindo pela porta da frente atrás do que um dia foi embora
e voltando porque gosto tanto daqui

essa sensação quase estranha de amar sem se sentir desesperado.
às vezes sozinho, mas nunca em solidão.
amando e sendo amado e me permitindo me permitir.
e me permitindo perceber: eu não quero morrer.

aqui tem dias que é uma noite escura e fria
outros são quentes e ensolarados
e eu me preocupo com as plantas
será que vai gear amanhã?

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Saturno e o Sol se colidem

Começa numa praia num dia de inverno, a luz do sol se pondo bem quente enquanto um vento forte e frio judia a pele. Nenhuma outra pessoa, mas pássaros voando e revoando e o som limpo das ondas do mar. Uma paz simultaneamente quente e fria toma conta de mim enquanto eu sinto a areia fina e gélida entre os meus dedos dos pés.
Um garoto vem a mim, vestido com a camiseta branca por dentro de calças altas; seu cabelo escuro em corte surfista - é como o famoso corte tigela era chamado há cento e vinte e cinco anos atrás - me dizia algo que eu não soube ouvir. Ele me estende a mão e me dá uma pequena espada, em tamanho de adaga, mas em formato de espada.

- Que espada bonita! - Eu digo a ele.
- Aham. É pra você. - Ele me responde.
- Uau, obrigado! Tem certeza? Ela é muito linda pra você dar pra mim...
- Aham. Ela veio até mim e cumpriu seu papel. Agora eu passo ela pra você e ela vai te ajudar, como me ajudou.
- Ah, muito obrigado! Você sabia que é meu aniversário hoje?
- Não sabia, mas achei que eu precisava dar ela pra você. Feliz aniversário. - Ele sorriu envergonhado.
- Como é teu nome, menino?
- Thomas.
- O meu nome também é Thomas!
- Oi, Thomas.
- Menino, muito obrigado pela tua espada. E que quando você crescer, encontre uma espada maior, tão bonita quanto essa, e que ela te proteja de tudo que vier!
- E que essa espada te proteja também! Tchau! - E saiu correndo.

Eu me pus a andar no outro sentido, segurando forte aquela espada guardada no bolso canguru do meu moletom, achando tudo aquilo muito absurdo e ao mesmo tempo engraçado e sem nenhuma sombra de dúvidas muito fofo. Talvez nem um quilômetro a frente, um senhor de bermuda jeans aparece de uma rua que desembocava na praia. Não era alto, mas era magro, cabelos compridos e barba comprida, ambos muito brancos contrastando com sua pele morena.

- Thomas! - Ele me chama de longe.
- Opa!
- Feliz aniversário!
- Opa, valeu! - Sorrio envergonhado, sem fazer a menor ideia quem seria aquele senhor que vai chegando mais perto.
- Vem cá, quero te dar um presente. - E do bolso tira uma caneta tinteiro. - Eu quero que você escreva tuas verdades mais profundas com essa caneta. E que elas signifiquem a verdade pra quem lê-las também. E se lembre bem: mentiras também podem ser verdade! Então cuidado com as verdades que você conta!
- Nossa, não esperava por isso. Muito obrigado. É curioso que eu gosto de escrever. E mais curioso ainda que eu acabei de ganhar uma espada de um menino.
- Eu sei. É nosso aniversário.
- Quê?
- Vai dizer que você não percebeu que aquele era você e que eu também o sou?
- N... Não sei? Acho que... Não sei se isso faz sentido.
- É que esse lugar é mágico.
- Então, se nós três somos um só... Tenho algumas perguntas...
- Claro...
- Por que eu não me lembro de entregar uma espada pro Thomas adulto? E você lembra quando o Thomas velho te deu essa caneta? E isso significa que você já ganhou essa caneta?  Aliás, é a mesma caneta? E você escreveu boas verdades com ela? Desculpe, me empolguei com a possibilidade de sermos o mesmo.
- Hahaha. Eu sei bem! É confuso, não é? Bom, tem coisas da tua infância que você não lembra, mas que eu lembro. É porque a memória não é linear, você não vai esquecendo as coisas ao longo da vida. Tem coisas que você se lembra só depois de velho, coisas que você já tinha esquecido. Você não pode ficar preso nas concepções de passado, presente e futuro, porque elas não vão fazer você se entender melhor, nem entender o mundo melhor. E sim, eu lembro de ganhar a caneta, eu ganhei uma caneta. Se é a mesma caneta, não faz sentido nenhum eu te contar, porque não faz nenhuma diferença pra você. E as verdades, é melhor eu não contar elas, porque se eu contar tudo o que escrevi, você não vai querer escrever, achando que são ideias roubadas e que elas não são tuas. É claro que são, mas prefiro que você as tenha sozinho.
- O que é esse lugar?
- Uma praia.
- Agora é verdade? Agora existe?
- Você sabe tão bem quanto eu.
- Mas eu não sei.
- Claro que sabe.
- Eu juro que não sei.
- Ou sou eu que não sei? - Sorri um sorriso extremamente sincero e caloroso. Eu sorrio com ele. - Feliz aniversário, Thomas. Use a espada para se proteger e a caneta para atacar, assim você se tornará invencível.
- Muito obrigado, Thomas. Sabe, eu não me impressionei de nenhuma forma com o Thomas do passado. Mas você me impressionou.
- Por quê?
- Não sei. Talvez por você existir? Ou talvez por você ser alguém que eu não esperava que fosse? Enfim, gostei muito de você.
- Claro que gostou. A autoestima sempre foi o meu calcanhar de Aquiles. - Riu. - Eu existo, não se preocupe. Aliás, pare de se preocupar. Eu existo. - Me abraçou. Ao me soltar, não olhou pra mim, mas continuou andando na praia no sentido contrário do que eu ia.

Nada disso fazia sentido. Mas eu sorria largo, apertando forte a espada com a mão esquerda e a caneta com a mão direita, dentro do bolso do moletom. Eu percebi que o sol ainda se punha. Olhei para trás e parece que o sol não tinha se movido nem um pouco. Lá longe andava um senhor de cabelos brancos. Eu continuei caminhando. E toda vez que eu respirava, uma onda quebrava na praia. E eu fui respirando cada vez mais fundo, enquanto as ondas iam batendo cada vez mais fortes. Eu fiquei com medo de sair daquela praia, de ela nunca ter existido. E cada vez mais ansioso, respirava cada vez mais fundo. Até que o som do mar tomou conta de tudo. Eu abri os olhos e estava em casa de novo.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Quebra de paradigma e o cataclisma oficial da República

ati
po
lo
gia

atiça

atáxia

atípico

atorm
enta

atorneira
que banha
rosto e rosto
que tocam bochecha
com bochecha

um quarto
de quartzo
brilha brilha
os teus olhos
e o meu cheiro
inunda o
teu quarto

ativa
mente

feito ator
galã
sorri
um sorriso largo



me promete
que os pormenores
voarão como plumas
e plástico e pernas perdidas em passos patéticos de puro prazer

amar e atar e cozer e assar
orgias de orgulhos
ostentam ornamentos
enquanto ouço você dormir

marav
ilhas de cimento
cast
elos de fantasia

paralelos imaginários
de uma única canção
que não acaba

outr
ora
mem
ória

isso
é class
isso é
pass
crash
test
bum boom clash

barulho e torção
fagulha e emoção
entulho ou opção
placenta ou solidão



impera
dores
e es
molas
elef
antes
e gigan
tes

estou a
qui desen
volto em
impropérios
irresolutos
e me sinto
insubs
tituível

sábado, 12 de junho de 2021

Despertador

teus olhos invisíveis se prendiam nos meus
teu cheiro inodoro me enuviava e sinopses primitivas me alimentavam um instinto vulgar
teus lábios imaginários deixavam os meus lábios dormentes e secos e salgados de vontade
tua voz que minha mente simulou ecoava aqui dentro como feitiço

o sorriso que você não deu pra mim brilhava com o olhar que não trocamos
e tua língua molhada e macia não rolava na minha boca entreaberta
e não fossem esses dois pontos no espaço que nos representam
distantes como estrelas que só se enxergam pela luz que viaja um universo frio
você morderia a minha boca com leveza e calor

eu preciso acordar e preso nesse sonho que eu já sei que é sonho
peço mais quinze minutos de você comigo
um você quente e saboroso e fictício

só mais quinze
e eu sei
é um sonho

e depois mais quinze e depois mais quinze e mais quantas vezes fossem necessárias pra eu me sentir satisfeito com o sabor do teu pescoço na ponta da minha língua
e durante todos esses intermitentes segundos acordados entre calar o barulho e adormecer de novo
eu sinto a falta do teu calor nos meus lençóis

só mais quinze minutos
e eu matando saudades
sem você saber
que eu matei

segunda-feira, 17 de maio de 2021

O álbum de fotos da morte do Sol

and we cried
over pyramids and castles
centuries of glooming monarchs spent to this overlapse of ruining democracy

and we cried
over sand pyramids and sand castles
stepped a bunch of times by older boys and sunken by the tide to be forever forgotten

and we cried
over thousands and millions of unknown lives
crushed by a billion years of destruction through this failed sense of evolution sponsored by our owners

and we cried
over our minutes passing by over and over
as we stand naked and perpetually immobilized carrying alone a ton of sorrow and shame

and we cried
over the pain and the jynx
licking our bruises as hungry stray dogs living in solitude forever searching its pack

and we've been spinning
laughing in circles and patting our hearts
as we manage to always forget todays to be allowed to live the moment in a minor sense of peace

cruisers of pasture rolling rubber above asphalt
climbers of trees sitting sixteen hours a day in uncomfortable chairs
evolution of the senses and the emotions and the language
leads us to tearing apart in anxiety or panic attacks

and we cried
to smile again

terça-feira, 4 de maio de 2021

Aquário

esse mundo impresso de impressões digitais
encosto no vidro meus dedos enrugados
sem saber se gostaria de deixar a minha impressão
ou se estou tentando limpar as impressões alheias
esfrego o dedo no vidro
que faz aquele barulho bem específico

bato a unha no vidro tentando chamar atenção
e dou um sorriso lembrando das placas
não bata no vidro
aqui o peixe pede a atenção

aqui vario nadar de 
cima a baixo
e baixo a cima
um lado a outro
ou de outro lado a um

impressão minha ou lá fora o mundo gira?
e só esse mundinho aquático fica estático
como o olho do furacão ou o centro do universo
o ponto focal onde efetivamente
nada acontece?

ou será que esse aquário gira também?
e toda essa turbulência é física em prática:
força centrífuga, centrípeta, gravidade, comorbidade, 
força de vontade, autopreservação, Newton e a maçã
matéria puxando matéria, empuxo me apertando de todos os lados

eu já vi o sol nascer tantas mas tantas vezes
quantas vezes mais pra eu me acostumar?
algumas belezas não são acostumáveis
quantas vezes percebi os detalhes da lua
ou o brilho intermitente das estrelas?

aqui é molhado e gelado
e lá fora tudo parece bonito
até que me tiram da água
e eu me debato sem ar

é muito estranho saber o seu lugar
e que não existe futuro, só passado
que se passou e continuou pra sempre
nesse mesmo eu que sigo sendo

sábado, 13 de março de 2021

A primeira última chance pra pensar de novo

tem gente que vê a prisão em suas paredes
eu vejo a prisão em diferentes escalas: da pele à atmosfera
tem gente que fecha os olhos para as imparáveis mortes
eu vejo os pequenos suicídios dentro de cada um

tem gente que experimenta e repete
eu não paro enquanto não passo mal
tem gente que ganha e afirma que lutou com garra
eu apanho dia após dia, segurando um troféu de cobre que também é apontador

tem gente que aumenta
eu diminuo até virar pó

o pó gira em espiral e pinta no chão com os meus cabelos caídos a minha bibliografia
queria dizer que ignoro como um segurança de museu já muito acostumado com as obras de arte
mas fico encarando as dobras e as texturas até que de alguma maneira eu entenda a criação do tempo

anoto os entendimentos numa caderneta e os levo para o confessionário
e espero perdão porque eu não aprendi a voltar e fazer tudo diferente
repetiria o tempo até resolver os últimos detalhes e essa seria a minha missão

tem gente que acredita que nasceu com uma missão
eu ganho e cancelo várias ao longo do dia
queria eu ter uma única missão pra poder focar bem nisso
ao invés de voltar nessa corrente de memórias achando que fiz e não deveria ter feito

já passou
eu relevo
revelo
reitero
já passou

e lembro

já passou
fechei as portas daquela indecisão: escolher não escolher pra não ser responsável
quem não escolhe também é responsável

já passou
mas eu lembro
só não lembro
muito bem

sexta-feira, 5 de março de 2021

Get lost

minhas terras vazias envoltas em margens vazias
parecem tão vastas quanto o próprio universo
o vazio implode nessa névoa clara de partículas inexistentes
eu respiro fundo esse vácuo e me inflo de nada

i got this long way and chains and no provisions
rumbling bubbles and crawling troubles
astounishing views of fantastic probabilities
and this dicotomic sight of nothingness and blackness

i taste this imagination and feel sick
sorrounded by this far away desires
out of fase into this deep deterioration
sadness and despair without names

the personification of evil
touching my shut eyes
cold and humidity in verse
versions of me that i once threw away

got away gotta wait time to spare
esse tempo vazio de ritmos esparsos
pipocando solidões em solavancos
alternando amor e medo em um mundo estranho

tem esse caminho longo
e essas correntes e nenhuma perspectiva
borbulhando e engatinhando
longe de mim seguro de mim

drive me mad as the bumping ride
scares my soul and spirit and core
i correlate this jouney to forever running and running
and not getting anywhere

eu quero longo e seguro
mas não existe seguro
quero calmo e bonito
me quero sobretudo
mas me esqueço
e no vazio
me perco

Covid-19, do I blame you?

impostos encostos insumos consumos desusos trejeitos meu peito pardal
tudo mas tudo mas tudo mesmo
bem

pobreza na mesa tristeza ser brasileiro me deixa cada vez mais insensível
vocês merecem
vocês todos
julgo como juiz
e como juiz
julgo que eles julgaram primeiro

proposta encosta modesta mentira de bolhas multi-fashionistas
multi coloridas multi multidões multi facetadas multi viralizadas
viralizou e morreu
mas passa bem

me causa burburinhos e explosões
me causa intermitentes enjoos e azias e raios e trovões e bombas atômicas na boca do estômago como a última vez que quis querer alguma coisa e isso foi há muito tempo atrás quando eu tinha tempo e o tempo me tinha e tudo era tranquilo como uma hora após a outra e um segundo após o outro e um ano novo que é novo e segue novo até o carnaval e ano que vem tem mais
hoje não funciona assim
hoje nada funciona
só o contador de cadáveres que conta seletivamente subselecionado subnotificado subhumano subindo o céu ou o inferno ou o que haja lá em cima em busca de uma liberdade verdadeira porque aqui é essa gaiola em forma de pele que eu rasgo sem querer sempre incomodado com tê-la em volta de mim
eu julgo
meu juiz tá no prézinho
aponta dedos
"ELE ME BATEU PRIMEIRO!"
meu juiz apanha
meu juiz não tem juízo

foda-se
eles cavaram suas covas
azar

é cova
que
não
acaba
mais

orgulho de - parabéns aos envolvidos - ser
(insensivelmente)                        brasileiro

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O segredo de um segundo sussurrado

e num segundo 
que veio depois de outro 
tão pouco significante
o imperador sobe
ao seu púlpito
e abre seus braços
como asas que abraçariam
o mundo inteiro
ou o amassaria
como uma lata de refri

foi um segundo
como tantos outros
em que a poesia julga
e me julga
e me expõe
como algo melhor
do que eu sou
fui
serei

um frasco de veneno
um baú de moedas
uma bomba atômica
uma única vez
que o mundo
finalmente
acaba
o começo de tudo
antes de Deus e seus sete dias

eu sinto a coroa
me apertando as têmporas
e o manto pesando
meus ombros cansados

eu sinto minha voz
tremendo as paredes
eu sinto minha saliva
fugindo dos lábios
enquanto falo tão alto
quanto a maior das colinas
e tão profundo
quanto o mais escuro poço

essa que um dia eu subi
pra ver o que havia em cima
e esse que um dia eu cavei
pra saber como era morar
ali no fundo

nesse segundo
imperador
sou enorme
sou incêndio
sou ódio
sou raiva

um segundo que passa
como todo outro segundo
e derreto dentro de mim
para contar as esmolas
do meu império

viro água
e com o vento
tremo em silêncio

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A descrente lua decrescente e a espera do ladrão de esperança

a tristeza vem em poesia
e verso frustração
por não conseguir
escrever o que sinto

sinto uma tristeza
em não fazer do
sentimento poesia

há poesia na tristeza
e tristeza na poesia
mas aqui sobretudo
a frustração do verso

que vem pelo inverso
sem poesia nem tristeza
só o verso frustrado

sentimento e poesia
tristeza é poesia
verso é poesia

converso com os dedos
que versam tristes
esses versos