segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Desfibrilador

Enquanto eu cagava, um mosquito desapercebido, sem notar a minha imensa existência, passa voando pela minha frente. Sem pensar, dou-lhe um rápido tapa que resulta numa queda em espiral mais leve que o ar. O mosquito cai morto, num cemitério de insetos e aracnídeos que, sem querer, tiveram acidentais encontros com a vida humana.
A vida continua. Pelo menos a minha. E de mais um porrilhão de seres no universo. Pobre mosquitinho. Me pergunto se ele é um inimigo à minha espécie ou se é só mais um bicho que dividia a casa comigo. Será que sugam o sangue humano? Transmitem doenças? Eu tusso como um cachorro. Minhas cordas vocais e minha laringe e meu esôfago e mais outras coisas dentro do meu crânio tremem num tom grave. A tosse reverbera o microscópico coraçãozinho do mosquito, e como uma etérea massagem cardíaca, apaga a luz à qual a minúscula alma voaria até encontrar seus zilhões de parentes. Sem a luz do fim do túnel para o mosquito seguir a morte, mexe uma asa e logo outra e se põe a voar um voo desastrado. Eu, o mais novo veterinário de insetos, salvei uma vida com uma tosse canina que põe em cheque as decisões de Deus. Quem morre ou quem vive depende da tosse que me vier. Tento pisar nele, no ar, mas meu chinelo de vô só desvia ele da trajetória inicial. Ele cai no chão e insiste em viver. Levanta um segundo voo de esperança e finalmente piso sobre ele. A morte. Coitado. Será que era um inimigo da raça humana? Ou será que dividia a casa comigo?