segunda-feira, 17 de abril de 2017

Não há o que ver

a constante perseguição de ser melhor
como se melhor significasse efetivamente
melhor

tá tudo bem perceber que não há melhor?

entre revoluções a gente percebe que há muito pouco de evolução
e muita luta e guerra e sangue e o conceito de honra sempre mudando
mas ele sempre fundamental e estratégico
tudo pela honra do que é ser

não melhora

só vem mais um dia

e ele significa pouco senão mais uma volta em si mesmo
trezentos e sessenta e cinco dias girando e girando e girando
se apegando em propósitos que dão significado à vida

muito significa pouco e vice-versa
os versos viciados em significados, significativos e significadores
propostas fundamentais de organizar em parâmetros o dia a dia
justificando as próprias atitudes presentes, passadas e futuras
tudo pela justificativa para ser

a convulsão de viver é mais confusa em algumas pessoas

isso eu já percebi

há quem leve as coisas numa boa
e eu gosto disso
sem ciúmes, rancor ou inveja
só a liberdade de me sentir confortável por alguém

quase ninguém tá confortável

todo mundo se justificando por justificar
sem se apegar a memórias, conceitos e posições
mas presos em éticas duvidáveis e sonhos impossíveis

por que me apedrejar?

pra viver em literatura o sofrimento destilado soletrado
coitado quanta ilusão

pra me empedrejar e me fazer estátua e obra de arte
e sozinho serei multidão

impede já o que já foi dito
e me serve pra eu engolir tudo
sem medo de passar mal
de modo algum

comer tem tudo a ver com prazer
engolindo as letras uma a uma
e arrotar isso bem orgulhoso
de que tudo deixou de passar

nada
vai
passar

a obesidade nas minhas bochechas
espremendo meus lábios em bico
e nenhuma palavra me foge
tal que engulo com fome todas elas

vai passar

confortavelmente
vai passar

terça-feira, 4 de abril de 2017

Tratado de Tordesilhas

Um passo pra trás e não existem verdades
Só perspectivas de camadas sobre camadas de realidade
Que se confundem e se espremem nos nossos
Vícios mais ignorantes

Vou ver a vida vazando
Enquanto vagueio vadio
Atolado de memórias e histórias
Responsabilidades e vulnerabilidades
Afogado em ser e estar
To be or not to be

Razoavelmente ou radicalmente
Me despi das razões pois são outras mentiras
Que contamos a nós mesmos
Enquanto buscamos justificar a verdade

A verdade não precisa de justificativa
É e pronto
Ser ou não ser
É porque é
E se ninguém a conhece
Continua sendo

Razões pra viver como todo mundo
Esperando salvar o planeta ou comprar sem sentir dor
Inventar alguma coisa nova
E sucessivamente acumular vitórias seguidas

Ser a verdade
Não ser de verdade
A verdade que não é
Sem razão
O que os olhos veem e o coração não sente

O coração sente o peso desses anos estranhos
Dessas mágoas disfarçadas de memórias
E dessas memórias disfarçadas de deja vus
A realidade sempre distinta e objetivamente mais obscura e mais real
Como se todo pulo pudesse me matar
E eu sentisse medo do pulo

Suicída
Covarde
Ou corajoso

Eu continuo
Crendo cegamente que sou um
Moto perpétuo
Tal que a energia
Nunca acaba

Eu sei que é mentira

Mas eu minto pra mim quando reconheço a escuridão ardida da realidade
E sou bom contador de história
E me fascino com minhas próprias fantasias

Quando é noite é tarde
Quando é dia
É tarde

É sempre tarde e eu acredito em coisas que sei que não existem

O mundo me julga
E eu me finjo surpreso

Quem me julga? Por quê? O que aconteceu?

O que aconteceu aqui?

Me acostumei com os juízes
E seus martelos
E suas sentenças
De plena e pura verdade transparente

A verdade é sempre transparente

E some

E eu já nem ligo mais

Finjo que não é comigo

A realidade que vejo já me comprime com força
Não preciso fazer esforço para procurar a verdade

Pois eu sei
Que toda ela
É invisível