domingo, 26 de novembro de 2017

Satisfação

a vida ia me consumindo confusa
talvez eu mais confuso do que ela
se alimentando de mim com a mesma fome
que eu sinto

a humanidade dobrada em padrões
e se repetindo por hábito
e eu repetindo outras coisas
e sendo outro padrão
sem humano
no contorno do que é certo
só o trágico sentido da existência per se

ser porque é
desviando e me escondendo
do comum não por opção
mas um pedaço é orgulho
e o outro é vergonha

como se eu não soubesse que ambos fossem a mesma coisa

um pulo atrás do outro
que cansam mas não
me tiram do lugar

um lugar novo pra cada irrelevância
uma novidade pra cada escravo vendido
um espaço cheio e minha geladeira cheia e a vida me consumindo

um puxão pra fora de mim
sugar cair partir
vazio catástrofe dúvida
do tempo todo que atravessa
minha alma como se fosse fino

fino e nobre e ouro
quebro em pequenezas e me vejo em todos os cantos
um trovão para cada batida de coração
e um tombo para cada célula de oxigênio roubada
um suspiro e eu já sou o mesmo de novo
nenhuma notícia de que o alter ego ultrapassou o super ego
e não virei sábio por mero desprazer
a vida que consome
e as mãos abanando em sinal de rendição

pintei o sol de amarelo e ele me cegou
fiz da chuva um inimigo e da terra surgiu a flor
é manhã e noite ao mesmo tempo e o mundo continua
padrão vinte quatro horas
padrão instagram
padrão rede globo
padrão homem branco héterossexual um metro e setenta e essas coisas que dão existência a vida
como reis e patrões
o homem que meu pai quis que eu fosse
e que a vida comeu

me fiz de artista porque seria nada
senão osso e pele
mas na maioria das vezes nada faz sentido
a gente se chama do que quer se chamar
basta categorizar a auto estima e matematicamente a gente sabe quem você é pelos teus olhos

é estranho que a gente quase não se conhece
ninguém sabe ao certo se fomos feitos pra obedecer
ou pra agirmos sob a própria liberdade
livre arbítrio ou liberdade arbitrária

meu dia acabando de novo
e eu ainda não sei tocar saxofone
nem lavei o banheiro
muito menos
sobrevivi
a um
milagre

a vida arrota
satisfeita

sábado, 18 de novembro de 2017

Se você não pode ter o que quer, pode me ter

a vida virou toda sensação
e tudo traz o máximo de mim
enquanto eu entendo que
eu poderia muito bem
estar disfarçado
e invisível
e insensível

sensação
uma atrás da outra
um troco errado ou um sorriso
um empurrão ou uma trombada

a sensação de estar sozinho em um mar de humanos
e todos eles indo pra cima e pra baixo como ondas
enquanto eu me preocupo com os tubarões que sei que não existem
mas eu sou bem isso
uma pergunta mais rápida que a resposta anterior
e um passo atrás por segurança
um mundo de plástico por humanos de verdade
e eu com um lança chamas pra me precaver
que nada disso é natural

as lágrimas que vazam dos olhos
antes da tristeza ou do rancor ou do que quer que traga lágrimas aos olhos
e vazam como torneiras pingando
água quente que atravessa as minhas bochechas
e se esconde dentro dos pelos da barba como um filho que se enrola com sua mãe

sem realidade
nem fantasia
mas esse meio termo maluco de coisas diferentes
e luzes diferentes
e pessoas que eu não sei quem são

eles não sabem quem eu sou
e isso me veste de uma armadura dourada
como se ouro fosse tão duro quanto fosse necessário

eu brilho
como uma estrela que morre

até que tudo apaga
e vira noite

a madrugada é a melhor amiga de quem tem medo da luz

pois as lágrimas formadas
logo perdem sentido
e tudo vira lógica e poesia
enquanto ela desce lenta e inconsciente

o amor como pedras que caem do céu
e o futuro como fábricas fora da cidade
raios e trovões de agora e daqui a pouco
e nem um sinal que ano que vem será melhor

às vezes você percebe que o coração está vivo
e de vez em quando não parece mais que uma
luminária que pisca em curto circuito
piscando vivo e piscando morto
alternando certo e errado por convenção

isso é amor
e eu tô nessa
dentro demais
desse coração

três e meia e eu nem sei o que é café da manhã
dois minutos e eu já estou num dia novo
mas hoje ainda não acaba e isso fica eterno
como todo o amor que a gente promete

isso é cegueira
muita segurança
pra muito fogo
e muito incêndio

minha vida regulada
nessa irregularidade
que sobe e desce quantas vezes você quiser

montanha russa
sem diversão

só medo

e sede
e fome
e as cores estranhas que me fazem estranho
e o arroz com ovo toda vez que nada dá certo

parece que nunca dá certo

bem rápido
eu não perco tempo
jogo fora
como se fosse open bar

cuspo em cima
pra ter certeza que esse tempo largado
não foi oferenda pra Deus nenhum

olho ele vazar como minha sujeira
e tudo parece sujo demais em volta de mim

nunca vai embora
fica comigo
porque esse sou eu
e de novo ficamos nos segurando
porque um abraço é mais gostoso
que o medo que nos ronda por aqui

vejo vazar e me engano que sou eu

se eu pudesse mudar o mundo
eu acabaria com ele
e se as crianças suplicassem
explicaria que não gostariam de existir

adotaria que tudo é ruim
porque aqui é ruim
toda luz vai embora
enquanto eu sou a sombra
e um império de sombra
me adota como imperador disso aqui

que roda
e gira
e satisfaz
o relógio
que roda
e gira
e satisfaz

o tempo
que não existe
e nos prendeu aqui

pequenas memórias me observando
e me rindo enquanto eu tento de novo

vai vazar ou vai pingar?
que sujeira que a gente preparou hoje?

separo bem e mal como o que eu já sei
pequenas memórias
fazendo funcionar esses programas
e me justificando dentro de mim

esse homem não tem um coração
mas gostaria de ter
e se tivesse
não o gostaria

é algum tipo de química que não conheço
um turista que usa roupas engraçadas
uma mistura entre majestade e escória
como alerta vermelho e um dia recorrente de verão
um dia ensolarado e uma medalha de plástico
um parabéns quatro meses atrasado
e a natureza não ligando pra quantos anos eu já fiz

ah, vida, me perdoe
mas acredito que uma hora as estrelas me encontram
e isso se explica sem dúvidas

sem dúvidas
tudo se acerta em abraços e beijos
beijos molhados com línguas duras
um sonho em um pesadelo
mas eu comigo mesmo
eu e a cura pra isso

minha melodia sem som
que não acaba e desce
como outro sonho
que se emenda em outro

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A poesia de um homem que desapareceu

eu vivendo comigo
nesse relacionamento abusivo
me sentindo pior e tentando
e me deixando pior
mas tentando

me enforco enquanto penso
em mim
me agrido em palavras
e depois em promessas
e logo estou preso pra sempre
amarrado na cama
e sentindo fome

sem parar de pensar
em mim

me convencendo o
que é amor
e quanto ele vale
na balança
nada é mais lucrativo
que ficar
sozinho

mas dependo de mim
eu de mim mesmo
eu mesmo de mim
sou todo mesmo e
todo eu
feito pra mim
e por mim

meu cérebro não me deixa
em paz
me subjugo
me irrito
me condeno

meu pensamento
logo acaba no fim do mundo
e passa por toda a desgraça antes
do ponto de exclamação

FIM!

e nunca acaba

só nós dois grudados
como animais que brigam
ao se acasalar
eu e eu mesmo
nos seduzindo e nos matando
toda vez que o relógio
marca mais um
segundo

uma tortura diferente para cada ideia mal colocada
um sentimento extremo para cada fio de meada
perdido e deslocado
perdido e deslocado
perdido
em nós dois

quando pouco ou nada importa
senão a si
e eu fervo inconsciente
pisco os olhos e não sei que dia é hoje
minhas responsabilidades
sendo devoradas
pelo calendário
e eu sujo e torturado
cheiro de tudo que não convém
descrever

pisco mais vezes
pra ver se consigo chorar
me enforco de novo
e me grito

ENGOLE ESSE CHORO!

me abraço com medo
me beijo assustado
me amo de novo

hoje é um dia novo
e eu sei disso

imploro perdão

me tira daqui

te amo pra sempre

me abraço de novo

sai da minha vida

isso é pra sempre

o fim do mundo de novo
e tudo que vem antes
um conflito de cada vez
até que a vida me diga
se há algo de novo

domingo, 12 de novembro de 2017

Incêndio

não sai
a cinza cai no meu braço
e eu me queimo

que tudo é poesia e tudo é sentimento
mas confuso como olhar e sorriso
não sai em palavra

me queimo
e desisto

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Supervelho

eu em orbita de mim
tudo girando e eu o centro do universo
eu universo
eu entropia
eu estrela e planeta
eu satélite e lixo
eu matéria tempo e espaço
dando voltas no meu centro de gravidade
observando com todos os meus olhos e sentidos
esse enorme rombo que a explosão de uma estrela um dia deixou

o buraco me suga
meu estômago almoçando ele mesmo
o dicionário e o calendário acabam ali também
e palavras e tempo convivem com esse carnaval cotidiano
uma volta inteira de feriados sob regime de escravidão
outra volta e meia com música e luz

o mundo finge ser feliz pra ter o direito de reclamar
porque a segunda vem depois do domingo

aqui é domingo o dia inteiro
e o buraco é fundo

é dia de cachimbo
a fumaça parece um livro
tudo tem significado perto do fim

nunca é segunda
abaixo as orelhas
o regime tira meus direitos
tira meus esquerdos

em órbita da minha pele
atravessando meus pelos como a carícia de unhas compridas
uma cortina de fios que nunca se acabam
aqui fora o ar é mais úmido

o que vai ser do futuro do mundo?

natal de novo
e minha espaçonave à deriva

terça-feira, 7 de novembro de 2017

A égua da noite

A luz acende. E assim começa uma sucessão de eventos que me voltam a memória como as de um sonho. Algo confuso e etéreo, místico e mágico, uma simulação automática e subconsciente da memória. Ou talvez tenha sido exatamente como contarei, mas o sono mistura vida e sonho e certas vezes a realidade não é o que imaginamos. Pois a luz acende.
E meu corpo acorda desacordado, sem nenhuma ajuda dos meus olhos míopes pra entender a situação, apenas um corpo pequeno do lado do interruptor, no pé da minha cama. Sento assustado, ou confuso, ou puto. As emoções se misturam e não há um nome certo pra aparição. Mas logo que sei quem é fico puto e o resto das emoções se acalmam.

- Tho, precisamos conversar. - Diz Mariana, que reconheci mais pela voz do que pelo que meus olhos viam. Pego os óculos.

Puto. Borbulhando. O corpo dela dentro do meu organismo não passava de um corpo estranho que ativava os meus anticorpos. Independente dos sentimentos eu não conseguia aceitar um estranho - quem não fosse eu - dentro do meu território, excetuando quando o estranho fosse convidado. Certa vez Mariana me pediu uma cópia das chaves da minha casa. Certas vezes. Conversamos algumas vezes sobre esse meu territorialismo estranho, mas que não, ela não podia entrar quando lhe conviesse. Esse mesmo diálogo se deu nas vezes que ela me convidou para morar com ela. "Eu te dou um quarto só pra você e a gente divide o nosso quarto." A ideia era eu ter dois quartos no apartamento dela, sem pagar aluguel. As coisas são confusas às vezes.

- O que você tá fazendo aqui, Mariana?
- A gente precisa conversar.
- Eu preciso dormir, fiquei 36h acordado e tudo que eu quero é dormir.
- Eu sei, vamos lá pra minha casa...
- Eu estou dormindo. Estava, pelo menos.
- Dorme comigo.
- Eu já tô dormindo.
- Só pega as tuas coisas e vamos comigo.

Ah, às vezes a gente se excede na raiva. Às vezes a gente a guarda por muito tempo e a explosão inevitável causa estragos fatais. Morre gente. Morre nós.

- Mariana. Me deixa dormir.
- Tho, posso dormir com você?

Ela tira as calças e a blusa e o sutiã e faz uma conchinha em mim. Ela fede a cerveja. E se os acasos tivessem sido remontados de outra maneira, certamente aquele teria sido um presente dos deuses, mas ali ela era um corpo estranho. Apaguei a luz, deitei com as costas pra ela, na ponta distante da cama. Ela beija o meu pescoço e tenta tirar o meu short.

- MARIANA! EU QUERO DORMIR, PORRA!
- Pode dormir!
- COMO ASSIM? O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI?
- Eu quero conversar.
- O QUE VOCÊ QUER CONVERSAR?
- Para de gritar.
- AAAAH, EU QUERO DORMIR!
- VOCÊ NÃO ME AMA MAIS!
- NÃO TE AMO MAIS!

Ela acende a luz. Com os olhos vermelhos bem molhados.

- Você está com sono.
- Sim...
- Você só disse isso porque está com sono.
- ...
- Thomas...
- O que?
- Isso é sono?
- Não sei. Pode ser.
- Isso é sono. Amanhã a gente conversa.

Ela começa a soluçar e pega as roupas. Faz um bolo com elas e sai do quarto. "Não tá todo mundo acordado? E essa menina vai sair pelada daqui?" Eu levanto. Ela está na sala se vestindo, as portas dos outros moradores fechadas. Assisto ela se vestir.

- Abre pra mim?
- Eu me perguntei como você ia sair.
- Hm.

Abro. Ela vai embora. Eu durmo. Foi outro sonho estranho. Ou só foi uma ocasião que eu poderia muito bem esquecer. Um punhado de coisas erradas que envolvem o passado. Por isso escrevo. Pra ver se esqueço. Do sonho que eu nunca tive.