terça-feira, 29 de setembro de 2020

A palavra

peguei no colo
e abracei
porque foi ela
que me restou

engoli o choro
e todas as coisas
explodiram
dentro de mim

a palavra
me deu conforto
e com os olhos
molhados
não conseguia
distinguir o que
ela dizia

ronronou no meu colo
e com leveza passei
os meus dedos
nas suas letras

sentindo que 
a qualquer instante
a palavra se perde
e me deixa
sozinho

domingo, 27 de setembro de 2020

É hora de descansar um pouco

as palavras caem
sem eu querer
que nada ou algo
seja dito

eu pego
com dois dedos
pra ver
do que se trata

analiso e com um 
peteleco sem direção
ela some

olho em volta
e mais palavras
me rodeiam

eu bato a cama
e elas caem no chão
ou planam no ar

eu piso em cima
e elas vão grudando
nos meus chinelos

ora ou outra eu penso em
varrer meu quarto
mas me sinto culpado
como quem coloca fogo
em livros

são só palavras

não são frases
nem texto

não são poesia
nem prosa

a palavra que sai voando
quando a ventania
bate a porta

nem lixo
nem tesouro


só palavra


que caiu


e eu não

guardei

sábado, 5 de setembro de 2020

Poderia ser Banksy

deito com os braços e pernas meio abertos e as palmas para cima
e relaxo os músculos e a mente
sinto minha respiração sumir dentro de mim
pronto para me entregar ao que quer que eu me entregue
teoricamente pronto

relaxo
e na minha cabeça eu vejo meus pensamentos como balões
aquilo tudo me parece um dente-de-leão
eu tão pequeno envolto em um guarda-chuvas imenso de balões de todos os tipos e cores

redondos com mensagens de aniversários e personagens da Disney 
e carros e aviões e Pokémons e letras e números dourados e azuis e verdes
segurados cada um por uma fita vermelha
e eu perdendo o controle disso tudo
cada balão subindo ao céu enquanto fogem das minhas mãos

um dente-de-leão que perde suas sementes-voadoras num vento que só sobe


abre a janela e deixa a liberdade entrar


aos poucos me vejo segurando apenas um balão
com formato de coração vermelho
que me puxa para o alto enquanto
me envolvo com sua fita vermelha lisa

ele é essa poesia
eu não quero perder essa poesia
mas eu preciso soltar todos os balões
e não muito convencido, solto





um lugar escuro e quente
onde não há mundo
nem aqui dentro
nem lá fora

moraria aqui a eternidade
sem me preocupar com a pandemia
ou o presidente
ou as preocupações mais próximas que às vezes tocam à pele




eu me vejo em um cavalo forte castanho escuro
eu noto os fios brancos em sua crina e penso que 
ele está ficando grisalho

paro na frente de muralhas de um castelo
onde meu pai me espera sobre seu cavalo castanho claro alto e magro
ele veste armadura pesada e carrega amarrado um burrico absurdamente carregado

meu pai abre a viseira de seu elmo e sorri
eu lhe pergunto se ele não está exagerando
ele desce do cavalo e diz que está mais que preparado
abre os dois baús que o burro carrega em cada lado de seu dorso

uma porção de armas dos mais variados tipos brilhava das caixas
espadas e maças e machados
fuzis e espingardas e metralhadoras
e me pergunta se eu não estou indo despreparado

eu lhe digo que só estou levando a minha espada
não porque quero me defender
e muito menos atacar
mas acho tão linda
que quis trazer comigo

a gente pode dizer que é pra sorte
eu brinco com ele
e desembainho a espada
e todos os seus detalhes
brilham com a luz do sol



eu olho para o céu
e lá está o meu balão
eu sorrio
porque a poesia
ainda existe

mas fico receoso em perdê-la de novo

meu cérebro dá a ordem ao meu corpo: escreva
e eu sou pequenino como uma bola de tênis
que flutua a alguns centimetros acima do meu nariz


meu corpo já não é mais meu

e a minha consciência não fica mais aqui




meus dedos sentem a fita

e com toda a força

puxo o balão


a poesia vive