terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vida, morte e filosofia barata

queria fazer tanta coisa
conhecer o mundo
conhecer gente nova
conhecer música nova

eu não sou curioso
mas não sou acomodado
gosto do diferente
e odeio o meu mundo

as pessoas são muito parecidas
todas com seus defeitos
e suas manias
e seu jeito estranho de ferir umas as outras

e eu sempre estou buscando pessoas melhores
mas elas não existem
e eu procuro mais
mas eu estou sozinho

eu estou vivo
isso tem importado muito, ultimamente
e eu não me cansei de procurar
mas tenho medo de cansar

eu quero acreditar na bondade
e no amor
e nas coisas bonitas que os hippies vendiam
mas só vejo produtos caros e mulheres vazias e a morte sondando com cara de cu

a vida não tem me tratado tão bem
e eu procuro rasgar umas lágrimas do meu olho
mas eu nunca choro
e eu acordo outra vez e bato mais uma punheta

acordar é muito difícil
é quando eu vejo que nada é como eu espero
a vida é bela
e eu não sei bem do que eu reclamo

e as minhas meias sujas estão espalhadas pelo quarto
e eu tenho umas duas cuecas limpas
e eu já não ligo mais pra mancha de vinho na camiseta
ou do rasgo ridículo na minha calça

tenho pensado em coisas mais importantes que meu sorriso
e meu cabelo
e a porra seca na minha bermuda preta
eu ainda estou vivo

e quase sempre eu preferia ser normal
e não pensar tanto
e gostar de todo mundo
e de todas as músicas

mas eu nunca me contento com tudo isso
acho que só eu estou vivo

sábado, 27 de agosto de 2011

Sociedade, solidão e um tiro no peito

Eu fui cagado no mundo, certa vez. E fui educado a andar, a falar, a estudar e ser um bom menino. E eu aprendi a andar, a falar e a estudar. Sempre, ou quase sempre, fui um bom menino. No meu berço, ser bom menino é se conectar com Deus, de certa forma. Não me ensinaram nenhum conteúdo religioso, pois meus pais não eram religiosos quando me tiveram. Mas de certo modo, todo meu ensinamento está baseado em todas as religiões. E eu sempre achei que eles foram bons pais, relativamente bons pais, considerando os altos e baixos e os problemas familiares que passaram destruindo nossa felicidade ao longo dos anos. Hoje ainda são bons pais e ainda me ensinam a ser um bom menino. Eu não sou mais menino. E acho que ainda sou bom, um pouco bom, pelo menos. Eu me preocupo muito com a sociedade. Eu sou um cara que gosta de caridade. Eu sofro pelos fracos e oprimidos. Mas a sociedade não se preocupa comigo. Eu sou carente, fraco e oprimido. E ninguém vai me dar um casaco de lã, só pela minha cara de filho da puta coitado. A sociedade não faz ideia que eu sou mais um fodido. Acham que sou um veadinho com cara de criança, mais um playboy óbvio que gosta de coisas entrando no cu. Eu não sou veado, muito menos playboy. Eu, provavelmente, vou morrer sem sentir o gosto de uma pica. Eu não tenho orgulho disso. Só acho que posso deixar isso claro, nesse texto.
Eu sou um bom menino e dou mais retorno à sociedade que a maioria das pessoas que escolhe se embriagar e se prostituir a troco de nada e que vive para foder com a mentalidade das outras pessoas. Todo o mundo se converteu em algo que eu não consegui acompanhar: uma espécie de anti-religião e bons costumes. Somos todos ateus e nos comprometemos a nos defender dos nossos inimigos, das ofensas alheias, dos nossos professores e pais, dos nossos amigos e dos nossos amores.
Eu não sei onde o trem social me largou. Agora vejo que todo mundo está lá na frente, esfregando suas línguas umas nas outras com a maior naturalidade do mundo. E todos estão tão sozinhos quanto eu, mas ninguém se dá ao luxo de se perguntar o que eu não me canso de perguntar: Eu vou morrer sozinho?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Platão

Aos poucos ela ia deixando de ser uma memória e ia se transformando numa entidade sentimental. O meu coração, virgem de amor ou sofrimento ou vivência em qualquer quesito referente à experiência, batia forte quando eu pensava na pele branca e quente dela. Mas eu ia, pouco a pouco, esquecendo que ela sorria e sentia e vivia e que ela era um ser humano como muita gente que atravessa as ruas escuras da cidade. Me lembrava dos nossos beijos com cheiro de sexo e do nosso sexo com cheiro de beijo.
Ela havia se tornado uma entidade e meu peito disparava ao lembrar dos nossos momentos no quarto escuro. E de repente eu estava inventando diálogos e situações e lugares. Na minha cabeça, ela me amava, assim como eu a amava. Uma entidade criada por mim. Mais uma personagem que saia da minha imaginação e nós nos amávamos mais do que qualquer casal já se amou e nosso sexo era melhor que qualquer um podia tentar fazer.
Ela não era mais um ser humano que eu esbarrava nas esquinas e nas praças, agora ela era eu, a minha melhor parte. E ia deixando de existir como pessoa para existir como ideal.

Ontem a noite, ela me ligou: Thomas, faz tanto tempo que não nos vemos! Vamos nos encontrar? Ela parecia feliz e eu fiquei tentado em vê-la, mas eu não sabia como dizer a ela que eu amava outra. Eu estava completamente apaixonado por ela, mas a que morava dentro de mim, não a que estava do outro lado da linha telefônica. Então lhe disse que tinha compromissos e que o futuro reservava um Thomas ocupadíssimo. Ela não respondeu triste, nem feliz, nem indiferente. Olhei para ela, a minha ela, sorri e disse: Ninguém vai ficar entre nós, meu amor.
Fechei os olhos e nos beijávamos sob uma árvore, perto de um lago, longe de tudo.

sábado, 20 de agosto de 2011

Um último suspiro

Já escrevi algumas vezes que algo morreu dentro de mim, há muito tempo. E eu vivo como um zumbi, literalmente, mas sem comer cérebro de ninguém. Ando morto pelas ruas e deito morto na minha cama e espero o dia que eu realmente morra por completo. As vezes me sinto especial, um jeito horrível de pessoa especial. O tipo que está morto enquanto a sociedade vive e come e engorda e transa e ama todos os dias. Enquanto eu estou morto e morando no meio de toda essa vida. Mas eu sei que todo mundo morreu há muito tempo. Algumas pessoas são tão vivas e tão felizes que parece que algo está errado. Elas encontraram a vida e elas são realmente especiais.
Eu morri há muito tempo. E dias atrás, eu vivi durante longas horas. Respirei e senti e eu sabia que estava vivo. Viver é a pior desgraça que pode acontecer com um homem de mente fraca, como eu. Era tão bom e eu me senti tão vivo. E eu sabia que logo ia morrer novamente. Ninguém vive por muito tempo. As coisas são rápidas demais e não dá tempo nem de a gente pensar. Nós estamos presos numa gaiola enquanto Deus se diverte com os nossos altos e baixos. Ou melhor, nosso alto e a nossa rotina. E eu morri. De novo. Apodrecendo e fedendo e perguntando qual é a vantagem de viver, senão querer viver mais e querer sentir mais e querer ser feliz. Eu me sinto viciado e só quero viver. E a sapiência, que há muito não dava ares da sua existência dentro da minha cabeça morta e cansada, me disse: "Você está triste, pois sentiu que ainda está vivo. Você sentiu que ainda pode amar e sentir alguma coisa." E dos meus olhos, lágrimas pesadas e salgadas, parecendo um oceano vertical e tão claro quanto a água mais limpa e mais pura, rolavam nas minhas bochechas magras e se depositavam nos cantos da minha boca vazia e carente. Eu vivi. E morri. E não consigo acordar e ver algum sentido na vida, senão vivê-la. E tento acreditar que há vida após a morte. Mas logo eu me sinto velho e cansado e meus ossos doem e meu peito vazio já não quer ser incomodado.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Só um pescoço

Deitados juntos, eu em cima, ela em baixo, nossas pernas como dedos entrelaçados.
- Gosto do teu pescoço.
- É só um pescoço, o que tem demais?
- Nunca é só um pescoço, uma mão, um pé, tem gente que gosta de pés.
- E você de pescoços? - Ela sorria lindamente.
- Nunca é só uma barriga, um umbigo, um par de seios, uma bunda.
- Claro que é. Não vejo nada de especial em tudo isso. - Ainda sorrindo, fechou os olhos e virou a cabeça para o lado, me mostrando o pescoço que vestia um fino cordão de ouro com um pequeno pingente de coração.
Encostei meu nariz no ouvido dela e soltei o ar. Lambi levemente sob o seu lóbulo, subindo bem vagarosamente. Ela suspirou e estremeceu o corpo todo.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Rancor

Eu, nu, cantava a ela: Não vou mais te deixar sem mim, pequena musa. E ela, também nua, sorria infantilmente, de olhos mareados e uma felicidade estrondosa. Cantava-lhe achando que não queria dizer o que dizia, tentando recusar o amor que de fato sentia. Ela dizia: Canta de novo! Canta, Tho! Por favor! Fazendo cara de criança mimada e sorrindo como quando a gente se esconde atrás das palmas das mãos para reaparecer com um BU! Eu corava as faces e dizia que não cantaria novamente, mas eu cantava.
De todos os amores, esse foi o mais estranho. Era tão difícil admitir que havia um pingo de sentimento dentro do meu peito. E era tão fácil traí-la com as mais frígidas mulheres, enquanto ela era uma ninfomaníaca. Vai entender o que se passa na cabeça de um homem ressentido com o amor, do mesmo modo que as pessoas normalmente se ressentem com Deus e suas injustiças.