quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Karma

o mar de um lado
o oceano de outro
e morros verdes
por toda a volta
e alguns prédios mais baixos
do que eu
e os andares inferiores e o superior
e as paredes
e a sujeira
e a minha roupa
e a minha pele
e os meus músculos

racionalmente
plenamente
seguro

mas o coração
pulsa tão forte
que me esqueço
que aqui é uma
fortaleza

meu corpo parado
na frente da janela
e os olhos perdidos
em quilômetros de distância
eles veem tudo
a desgraça
e o resto

mentira e verdades se diluem em ordem alfabética
e a gente se obriga a ir sempre pra frente
consumindo o futuro como Pac Man
que roda um labirinto com pouca preocupação
senão a própria vida
a minha já não faz sentido
e isso não me incomoda

primeiro a gente diz que é pelo conforto
depois por necessidade
no fundo é só sobre sobrevivência

a beleza dos murais de colagem
nas minhas paredes
disfarçam as teias de aranha
que dão a volta no teto
de todos os cômodos

eu fico procurando razão pra tudo
oscilando entre convencimento
e a espera de um milagre

eu pus a lógica nas minhas flores
e elas logo morreram

uma hora tudo morre
karma...

a fortaleza apodrece de dentro pra fora
eu me sinto seguro
os sentidos todos aguçados
ou nenhum sentido qualquer

lá de fora os ataques nunca vem

aqui dentro
a guerra de cem anos
segue pulsando
sem motivo

terça-feira, 6 de novembro de 2018

vim de longe e o que aconteceu já virou lenda

a poesia girava dentro de mim
e nos meus ouvidos eu ouvia
claramente o som de um
liquidificador

misturando essas estrofes
mutilando essas palavras e engrossando
esse caldo vitaminado de
sentimentos e inseguranças
apóstrofes e taumaturgias

poesia vira prosa e vira
livro e biblioteca e vira suco
as letras em pedaços cada vez
menores enquanto balanço
a cabeça no ritmo da música

tudo que sei e sinto derretendo
tornando-se líquido e girando
e girando eu não preciso de mais nada

não acredito mais em reis
meus olhos moribundos
brilham de esperança
vazia e hipotética

eu sou o meu melhor ator
e derreto sozinho
a razão porque eu não me vejo
é que os espelhos me fizeram invisível

e não tem como explicar que fiquei
confuso com todo esse mar de mentiras
que o mundo se acostumou a
banhar-se eu nunca fui rei

ninguém pode me transformar num homem morto
eu vim de longe
pra continuar longe
e longe eu vou indo

enquanto derreto
odiando as presas e as pressas
as jaulas e as cadeias
vou tecendo a minha prisão com
todo o meu sincero amor

teus olhos felinos
ficam sorrindo para os
meus

é mais fácil quando nem os próprios
olhos se veem

mas teus olhos brilham
eu derreto
e bebo dessa poesia
completo e contente

ela me puxa de volta

apareço como fantasma

meus olhos
moribundos
sorrindo