segunda-feira, 19 de abril de 2010

À guerra

Até o barulho de uma manifestação se apaga se você abaixa a cabeça e ignora o que está acontecendo. O chuvisco não fazia nenhum efeito, nem os choros das mulheres sofrendo ao ver seus filhos sendo esbofeteados pelos policiais, nem as balas de borracha que zuniam pelo ar. Eu, sentado na praça, esperando o mundo acabar enquanto o mundo acabava em volta de mim, acendi um cigarro, abri uma garrafa de pinga e fiquei olhando para os vãos de terra entre as pedras do piso de cimento. Sempre me perguntei se os boxeadores choravam, eles apanham, apanham, apanham, devem chorar. Eu pensava, quando moleque, que eles choravam sempre, mas ninguém percebia, já que suas faces estavam sempre molhadas de suor. Era o suor com a lágrima, assim o lutador continuava imponente, forte, homem de verdade. Na praça, eu me sentia seguro, afinal, era a chuva que molhava meu rosto. Chuva e lágrima, assim eu continuava bêbado, chapado, um zé ninguém, um zero a esquerda.
Um tênis 46, ou maior, se é que existe pé maior que 46 tomou conta da terra que eu observava cautelosamente. Olhei para cima e vi um velho de aparência bastante saudável, muitíssimo mais saudável que eu. Vestia uma roupa de caminhar: tênis da Reebok, short azul marinho, regata branca e uma faixa de tenista na cabeça.
- O que foi, meu filho?
- Nada.
- De que lado você está?
- Lado nenhum. Estou do meu lado.
- Que bobeira, ninguém está sozinho.
- Eu estou sozinho e não dou a mínima.
- Vai prá guerra, filho, não fica de besteira ai. Apaga esse cigarro, joga fora essa pinga, vai tomar um rumo.
- Quem é você prá ficar me dando ordens? Cuida da tua vida, parece bem mais interessante.
- Eu sou seu pai, tenho o direito de opinar.
- Opine sobre a vida da tua mulher, que fica te corneando com o porteiro do prédio.
Ele se virou, sem falar nada, e continuou correndo. Velho idiota, acha que eu sou uma criança. Eu só era vago, pelo menos quando eu bebia. Eu só era um animal barulhento e arisco. Não queria uma mão para me acariciar, nem uma mão para me alimentar. Eu sabia me cuidar. Só cansei das mesmas lutas, das mesmas batalhas, do mesmo dia-a-dia. Não sou mais o esquerdóide que queria transformar o mundo em um lugar justo. Nem sou mais o direitóide revoltado com o governo de esquerda que tomou o poder e fez de gato e sapato o contribuinte. Não sou mais o torcedor fanático, nem o cristão fiel. Não sou mais o herói da família, muito menos o gênio. Sou o cara que senta na praça para ficar louco e chorar. Choro para caralho, não tenho vergonha disso. Tenho vergonha é de não saber mais amar a vida. Grande bosta a vida.