segunda-feira, 12 de maio de 2014

Piá

Não consigo mais ficar sozinho. Não me aguento. Estou elétrico e enquanto estou com alguém, essa eletricidade é transportada à outra pessoa. E quando estou sozinho, essa eletricidade estala os pelos dos meus braços. Os arrepios sobem e descem a minha espinha e encontram a minha orelha. Eu ouço tua voz. Coisas que eu nem consigo e nem tento ouvir. Só tua voz em português indistinto. E se eu fecho os meus olhos a tua boca se move com a voz. Eu me sinto tão infantil. Tão tolo. Bobo.

Não consigo deixar de sorrir sozinho. Sorriso largo de quem descobriu um mundo novo. Mas dentro da minha cabeça, o velho eu não se larga das velhas tradições. Me sinto elétrico. Apaixonado. Há quanto tempo não me sinto apaixonado. Tanto tempo que passei a achar que a paixão era fruto da solidão humana e que, na realidade, a paixão seria um filtro cognitivo. Tudo que se vê e tudo que se sente é aglutinado nessa estrutura de estacas profundas. O mundo sob os olhos de alguém que, em um mundo de plena solidão, acorda acompanhado e recebe carinho. Um mundo surreal.

Fico achando que meu momento preferido do dia é quando eu te vejo sem você me ver. Como esperando decorar com o olhar todos os detalhes. Num processo repetitivo de observação incógnita. Até que teus olhos encontram os meus e eu os vejo sorrir brilhantes. Fico achando que é coisa da minha cabeça. Que os olhos não sabem sorrir e que teus olhos são sempre brilhantes. O teu cabelo preto brilha. Eu quero todos os meus dedos perdidos nos teus cabelos que brilham. Me sinto tolo. Infantil. Tão Bobo.

Fico achando que não tem nada a ver com paixão, mas os eventos se sucedem em poesia pura, cheio de metáforas piegas. É uma estrela que vejo lá no céu, que eu sei que nunca esteve ali. Vênus, Afrodite, a Deusa do Amor, me avisando que brilha o brilho mais forte. Numa praia sem luz, a gente descobre que o outro gosta de astronomia. Escrevendo assim, a parte piegas se perde. Numa praia sem luz, apontamos as estrelas que conhecemos. E Vênus é a estrela mais brilhante. É que eu sei que Vênus brilhava pra mim, sem saber direito se teus olhos faziam o mesmo. E sob essas estrelas e planetas e toda a Via Láctea, nos beijamos o beijo que eu sempre quis. Ou é a âncora que você tem tatuada no pescoço. Que me prende o olhar. Meu sorriso envergonhado abre, consciente do significado dessa comparação. Meus olhos grudados no teu pescoço, na tua âncora da nuca. Amarrado na outra tatuagem, um laço pontilhado atrás da orelha. Um mundo em que não basta eu evitar admitir a paixão, mas em que ela encaixa nos meus olhos os seus filtros. Um mundo surreal.

tem nada a ver com paixão
só com os tantos detalhes
que eu guardei tão bem
na memória
do tato
das minhas mãos
do meu nariz e da minha boca

me sinto
piá
que espera o recreio
pra poder chegar
mais
perto