sábado, 1 de dezembro de 2018

Ticket, por favor

às vezes eu só queria ser mais triste
pra justificar a minha tristeza

eu queria que as coisas fossem piores
que meu corpo não aguentasse mais um segundo
e que tudo ao meu entorno fosse um grande
caos insuportável e minhas veias pulsassem de ódio por
tudo isso aí

as coisas são suportáveis
a vida parece uma eterna tortura
mas uma tortura suportável
uma afta uma patela deslocada
um pós cirúrgico complicado

nada machuca o suficiente
pra ultrapassar o absurdo
porque o absurdo tá aí todo dia
e essa porra toda é confusa pra caralho

eu queria chorar
e gemer em desespero sincero

a vida não é cruel assim

a gente chora de vez em quando
e ora ou outra quebra porque não nos sobra
nada além de quebrar
mas nunca é ruim o suficiente

como ossos recalcificamos
e tortos e cicatrizados seguimos
cada vez mais frágeis
e cada vez mais mais fortes
e qualquer coisa entre



e vale admitir nessa poesia
que pouco quero ser feliz

a alegria me parece efusiva
como os dedos que trombam
na quina do móvel

por um segundo aquilo é grande como a própria existência
mas logo não é armazenada nem mesmo como memória

ou será que subjugo a alegria
ao transformá-la em uma pequeneza
cotidiana?

a alegria e a felicidade e esses conceitos coloridos
ficam todos confusos e logo não sei se são ao menos reais

vai ver sou pessimista demais
e só vejo a merda toda
vazando e gotejando em tudo que é pleno



e por favor me perdoe se pareço
exclusivamente pessimista
como um poço de sincero pesar e
coisas escuras e humilhantes

sou alegre também e vejo cor nas coisas
e às vezes confundo paixão e amor
amizade e amor
solidão e amor
e ora ou outra o amor sou todo eu e
só o amor importa



o mundo segue e a gente não é
pouco mais que o sobe e desce de
humores incompreendidos
como a maré que muda à luz da lua

reclamo
e fumo
e bebo

e sei que não é assim
que compro meu ingresso
para o Céu