sábado, 5 de setembro de 2020

Poderia ser Banksy

deito com os braços e pernas meio abertos e as palmas para cima
e relaxo os músculos e a mente
sinto minha respiração sumir dentro de mim
pronto para me entregar ao que quer que eu me entregue
teoricamente pronto

relaxo
e na minha cabeça eu vejo meus pensamentos como balões
aquilo tudo me parece um dente-de-leão
eu tão pequeno envolto em um guarda-chuvas imenso de balões de todos os tipos e cores

redondos com mensagens de aniversários e personagens da Disney 
e carros e aviões e Pokémons e letras e números dourados e azuis e verdes
segurados cada um por uma fita vermelha
e eu perdendo o controle disso tudo
cada balão subindo ao céu enquanto fogem das minhas mãos

um dente-de-leão que perde suas sementes-voadoras num vento que só sobe


abre a janela e deixa a liberdade entrar


aos poucos me vejo segurando apenas um balão
com formato de coração vermelho
que me puxa para o alto enquanto
me envolvo com sua fita vermelha lisa

ele é essa poesia
eu não quero perder essa poesia
mas eu preciso soltar todos os balões
e não muito convencido, solto





um lugar escuro e quente
onde não há mundo
nem aqui dentro
nem lá fora

moraria aqui a eternidade
sem me preocupar com a pandemia
ou o presidente
ou as preocupações mais próximas que às vezes tocam à pele




eu me vejo em um cavalo forte castanho escuro
eu noto os fios brancos em sua crina e penso que 
ele está ficando grisalho

paro na frente de muralhas de um castelo
onde meu pai me espera sobre seu cavalo castanho claro alto e magro
ele veste armadura pesada e carrega amarrado um burrico absurdamente carregado

meu pai abre a viseira de seu elmo e sorri
eu lhe pergunto se ele não está exagerando
ele desce do cavalo e diz que está mais que preparado
abre os dois baús que o burro carrega em cada lado de seu dorso

uma porção de armas dos mais variados tipos brilhava das caixas
espadas e maças e machados
fuzis e espingardas e metralhadoras
e me pergunta se eu não estou indo despreparado

eu lhe digo que só estou levando a minha espada
não porque quero me defender
e muito menos atacar
mas acho tão linda
que quis trazer comigo

a gente pode dizer que é pra sorte
eu brinco com ele
e desembainho a espada
e todos os seus detalhes
brilham com a luz do sol



eu olho para o céu
e lá está o meu balão
eu sorrio
porque a poesia
ainda existe

mas fico receoso em perdê-la de novo

meu cérebro dá a ordem ao meu corpo: escreva
e eu sou pequenino como uma bola de tênis
que flutua a alguns centimetros acima do meu nariz


meu corpo já não é mais meu

e a minha consciência não fica mais aqui




meus dedos sentem a fita

e com toda a força

puxo o balão


a poesia vive