domingo, 27 de julho de 2025

eu tinha palavras e eu resolvi colocar elas aqui

eu tinha palavras. e não bastam palavras para se fazer um escritor. eu tinha palavras e elas ficavam guardadas em algum lugar escondido. junto com os sentimentos e as sensações. a última vinha como maré e por vezes alta demais como ressaca violenta. o penúltimo vinha como explosão de bomba atômica. e por um segundo tudo explode e devasta. só me resta a radiação que transforma isso tudo em terra arrasada. as palavras, essas eu jogava fora junto com a fumaça do cigarro. elas vinham e eu baforava. as palavras iam pro céu sem nunca serem ditas. perdidas como suspiro e aqui o escritor deixa sua profissão para nunca ser profissional. a escrita vai embora, a palavra nunca é escrita, o verbo jamais falado. o silêncio, só sobra o silêncio. aterrador. pelo menos me aterra. o silêncio me aterra. como terra arrasada. assustador. para quem ouve. e para o meu peito. que fica vazio vazio. que nem bexiga murcha que não serve mais pra nada, além de se sentir com as mãos. o tato que enruga, que contrai, que me deixa mais perto do meu âmago. amargo âmago. eu tinha é que tirar umas férias, cair na graça de subir num foguete, deixar as minhas falhas e o que me faz sentir falho ali no chão, que o mundo vai continuar a ser. e eu serei integro com o mundo. acho que é assim que funciona. pelo menos foi assim quando subi num carro pra ir mil quilômetros daqui. sendo eu e só eu, como eu nunca fui antes. não foi um foguete, mas foi uma pausa e por uns dias eu fui salvo. ser salvo. eu nunca quis ser salvo. acho que eu queria mesmo era me afundar e colocar a culpa da merda toda em um planeta que não gosta de mim. vai ver eu só não queria responsabilidade. não queria ser adulto. não queria ser escritor de verdade. guardando tudo que é palavra pra eu sofrer sozinho, fingindo que era tudo sobre mim. eu queria ser escritor, às vezes. mas minhas palavras vão embora. fogem com a fumaça. sobem o céu, viram nuvem, depois chuva. e o mundo é regado pelas minhas letras. sem que ele entenda nada. só água e letras misturadas. silêncio e som de chuva em um céu azul. maré e bomba atômica num domingo quente de paz eterna.