sábado, 20 de abril de 2013

Congelado

- Sonhei com você, nessa noite.
- Sonhou? E como foi o sonho? - Ela sorri.
- Sonhei que nós namorávamos. Ou coisa parecida. - Ela fica vermelha naquele sorriso largo.
- E o que aconteceu?
- Bom, eu lembro que eu acordava...
- Hahaha. Você acordou no sonho?
- Aham.
- Tá, continua.
- Eu acordava e tava frio pra caralho. Então eu fui lá fora.
- Lá fora onde?
- Lá fora do lugar que eu tava.
- E onde você tava?
- Sei lá. Uma casa de madeira. De móveis de madeira. Tudo de madeira.
- O colchão também? - Que burra, eu pensei.
- Não, o colchão não. Nem as cobertas de lã, que eram dum xadrez vermelho.
- Hmm. - Ela me olhava interessada.
- Daí eu fui lá fora. Era uma sacada bem grande. Um terraço coberto. E no terraço, você estava deitada num sofá, coberta com outra coberta vermelha.
- Hmm.
- Então eu fui sedento pra pegar você.
- Hahahaha. - Ela ri, vermelha de novo, desvia o olhar.
- Mas você disse que não, pois o teu pai podia subir e ele não ia gostar de nos ver juntos.
- Empata foda. Hahahaha!
- Sim! Foi o que eu pensei. O engraçado é que eu pensei no seu pai. Eu vi ele dentro da minha cabeça. Como se eu visse os meus pensamentos.
- Hãn? - Fez uma careta.
- Eu sabia como era o teu pai. Mas nunca vi o teu pai.
- E como era o meu pai?
- Era o pai da minha primeira namorada.
- E eu, será que não era tua primeira namorada também? - Fez cara de cu.
- Não, você era você e o teu pai era o pai da minha primeira namorada.
- E daí?
- E daí você disse que era pra eu deitar do outro lado do sofá, então eu me aconcheguei perto dos teus pés.
- Tipo um 69?
- Exatamente como um 69.
- Mas sem...
- Não, com meias, aliás.
- Ah...
- Pois tava chovendo e a minha parte do sofá ficava descoberta. Então chovia em mim.
- Chuva forte?
- Não, quase imperceptível, mas bem gelada.
- E daí?
- E daí eu morri.
- Hãn? - Fez careta de novo.
- É, eu morri congelado.
- Assim? Acabou o sonho?
- Não, você percebeu que eu morri congelado, gritou, chamou pai.
- Mas você disse que conseguiu ver os teus pensamentos. Eu imaginei que era em primeira pessoa.
- Sim, era em primeira pessoa...
- E o que aconteceu quando você morreu? Mudou a câmera?
- Não, continuou em primeira pessoa.
- Como você não acordou?
- Sei lá.
- Isso não faz sentido.
- Não mesmo. Eu sabia que eu tava morto. Acredita?
- Não.
- Pois eu morri congelado, de olho aberto, vendo tudo.
- Que horror.
- Sem o seu amor e o seu carinho.
- E o meu calor.
- Sim.
- E o que acontece depois?
- Acordei com frio, me cobri e voltei a dormir.
- Nossa... Não gostei do sonho. Por que me contou?
- Porque você perguntou. - Ela fica quieta. - Vem cá, me esquente antes que eu morra. - Nos aconchegamos numa concha, sem falar mais nada.