domingo, 15 de maio de 2016

Vestido de paetê

solta os dedos

e deixa dançarem

porque alguém precisa dançar


nem os tímpanos dançam mais



o silêncio não existe
ficam os sons do mundo
mas com eles
a gente dança outro tipo
de dança


deixa que façam o que fazem melhor
é que outra hora achei que eram bons pra outra
coisa

duvido muito
que possam fazer ao menos
isto

a dança

dedos
pra lá
e pra cá
que te amam e caem
sempre caem
e sobem e descem
numa dança que pouco
faz
sentido

é só como eu aprendi a
viver
com amor
e
sem cerveja

mas quando tínhamos cerveja
dançávamos
mais

e todo o ódio gerado pelo glúten
vazava por eles
os dedos
com uma agilidade
despudorada
quase inconsciente
de tão rústico
rude
ríspido
escroto

muito
escroto

vai ver
a cerveja foi por um bem
maior

a paz no mundo

porque ele se autodestrói
sem que eu precise tirar meu rosto
pra cidade

minha vida em uma caverna
quente como a minha pele
suja como a minha mente
e os dedos ficam calmos
e eu nem tenho vergonha em dizer
que parei de
beber

acho que nunca fui bonito

acabei dando muito valor pra coisas que hoje
não importam

me importa mais do mesmo
o meu umbigo
cheio de pés de
alface

"eu precisava de cocaína para acordar"

eu precisava dormir

toda hora

porque esse sono todo já teve muitos nomes
essa vida já teve muitos significados
eu já expliquei tudo
e mudei as explicações
pois tudo
precisa
ser sempre lógico

fico mais lógico
mais lógico
muito lógico
tudo é lógica

eu não acredito no meu poder

poder
é opressão

e eu não estou interessado em
oprimir

me oprimo
guardando toda essa
força
pra quando
algo fizer sentido

porque tudo é lógico
mas raramente faz sentido

os dedos batem
teclas
e é lógico

as palavras
tudo sobre palavras
porque elas definem o indefinível

houve uma época em que eu
simplesmente acreditava que as
coisas existiam independentemente
das palavras

portanto as coisas seriam
nomeadas por diferentes
palavras
uma coisa com vários nomes
em várias línguas
que se interceptam e se confundem e se mesclam

a palavra perdia sua importância
pois seria vulgar
comum
popular

mas a palavra tem poder

solto os dedos
e eles dançam
não é meu poder

eu não tenho poderes

é o poder da palavra
de espremer
tudo o que ficou aqui

as histórias
e as memórias
e os sonhos
que são feitos de trigo

recheados de doce de leite
e creme
e nutella
e sabores tão doces quanto a própria farsa de existir