quinta-feira, 10 de agosto de 2017

O átrio

Quando estou na ponta
A poesia vem
Como se soubesse sozinha
Que esses são momentos
Singulares e específicos
Que poucos tem a oportunidade 
De viver

Vem como os falecidos parentes 
No leito de morte
Um sinal claro e dotado de fidedignidade
Nesse amontoado de saberes que a sociedade
Vem guardando

Vem me mostrando que o fim é próximo
Com a clareza do rápido flashback de toda a vida

Mas nunca é rápido
É sempre um vai e volta de memórias pintadas com a criatividade dos anos
E essa coisa de reviver e ressentir e reescrever essa experiência

O fim que nunca vem
Nunca convém
Nunca pontua esses parágrafos
Que só seguem o fluxo
De um filete de consciência

Eu já deixei de esperar o fim
Segue reto
Toda vida

E vivo essa magnitude de sensações
Que possuem cores e formas que se misturam

Um filtro de psicodelia carregada na minha
Jamais monótona realidade

Um cotidiano de surrealidades
Que convivo com certo desdém
Em um cérebro de quem já há pouco
Sonhava em perceber o impossível

E hoje convivo com o imperceptível
Ou irresoluto ou até incrível
Mas certamente indescritível

Me massageando as pernas como
Uma multidão que me usa como caminho
E esse monte de gente andando em ondas entre meus músculos e pele

Não sei se faz sentido 

Mas eu tento

As palavras não sabem nem definir angústia
Isso me angustia 
Esse exército caminhando sobre mim
E nenhuma palavra define
Isso me angustia 

E como explicar fechar os olhos e aparecer em outro lugar
E abrir os olhos e estar no mesmo lugar 
E fechar os olhos de novo com a pretensão de nunca mais abrir pra ficar lá pra sempre
E o receio de não voltar
Como que preso em todas as cordas de relacionamentos e responsabilidades
E abrir os olhos com o coração ardendo em batidas longas como ecos
As palavras que não explicam
A memória que não traduz

A sensação de estar na ponta dos dedos de um gigante esqueleto
Escorregando as falanges amareladas com medo de prender os dedos em um simples mover da mão 
A certeza de que longe desses dedos mal polidos só resta uma eterna e incômoda luz branca
E eu me agarro de olhos fechados e molhados
O coração
Sempre confuso

Entre o que é realidade
E o que não é

Um comando sem resposta
Querer e fazer em sua mais distante separação
Quem dera fosse desentendimento 
Pois assim logo se resolviam em pazes
Pouco mais me bastava pra eu me enfurnar em sonhos magnânimos e magníficos
Mas a magnitude da distância
Só me faz observar de longe
Abismado com a escala das coisas todas
Tudo imenso
Gigante como metrópoles que se desprendem do continente e se dissolvem no oceano como pedaços de gelo em água quente

A pergunta do milhão
A poesia sem fim
O parágrafo de introdução no meio do texto
O fade out entre duas inspirações 
Ou no meio da expiração
The End nas minhas cortinas e eu não sei se é dia ou noite porque a regra é que a janela não abre
Tenho medo lá de fora
Coisas horríveis acontecem lá fora
Monstros e moedas e sacos de lixo
Fios e postes e fios e postes
Condomínios vazios abandonados por joãos de barro
O som de uma e duas e três motos que buzinam pra todas as mulheres do mundo sem nenhum ser humano perceber